sábado, 21 de setembro de 2013

O (meu) Valter

Uma das vantagens de não ter companhia é que posso, de vez em quando, apaixonar-me por umas figuras mais ou menos míticas, que são os artistas da nossa praça, atuais ou falecidos.
É que isto vem por ondas. Quando de repente me apercebo da genialidade ou de um aspeto docemente humano de um artista, parece que o encontro de forma recorrente.
Estou na fase Valter Hugo Mãe.
Valter Hugo Mãe já há um tempo é um escritor conhecido. Tem um nome irritantemente invulgar e uma cara normalíssima. Fisicamente não é atraente. Parece uma pessoa normal. Até há um tempo sabia que ele existia, mas não lhe dava grande valor. Os títulos dos seus livros parecem estudados para ser inapelativos e não via por aí grande coisa que me fizesse reparar nele.
Mas agora encontramo-nos a todas as horas.
Ontem ele fez-me parar um zapping da televisão, hoje esticou-se todo na capa do JL quando eu estava a comprar o i e preencheu-me o dia com depoimentos, crónicas e entrevistas. Senti-me a visitar a casa dele, a jantar com a mãe e as irmãs, a sentir a estranha dor da morte de um irmão que precedeu o seu nascimento e o encantamento das suas viagens e reencontros com lugares outros. Está em S. Paulo, imaginem!
Durante uns dias só falo dele, só o leio, só o comento, só penso nele.
Seria coisa para irritar um companheiro que, a certa altura diria: "Parece que estás apaixonada pelo homem, acaba lá com isso, ou vai ter com ele! - calando o amuado "O que é que esse gajo tem a mais que eu? Cara de xoninhas..."
Vi-o ao vivo uma vez numa tertúlia literária. No Chiado. Quer queiramos quer não, o poder de conhecer alguém pessoalmente dá uma reviravolta à relação. Eu estive perto dele!
Ele não terá dado por mim. Estávamos sentados em sofás distantes. Ele tinha o microfone e era motivo de interesse das pessoas dos outros sofás, eu era apenas uma dessas pessoas, com um livro de outro autor entreaberto, que parei a leitura para ouvir o que aquele rapaz, escritor, dizia. (Pela consulta dos arquivos do blogue, constato que foi em Setembro de 2009 e que era um "cordão de leitura", mais precisamente).
Mas o escritor nem está lá referido. Não tenho ideia do que ele disse. Não se me insinuou na memória.Foi só em Outubro de 2010 que eu fui definitivamente marcada por um texto deste autor: "Um poema que pudesse morrer", devidamente registado no blogue, caderno de viagens lidas e escritas.
Depois ele foi à FLIP em Paraty e escreveu sobre isso na revista Ler, creio. Depois começou a escrever textos maravilhosos sobre os professores, a profissão que eu vivo e o valor da escola pública.
Depois...agora já não há nada a fazer: estou mesmo apaixonada!
O JL que comprei hoje tem um magnífico texto sobre a Escola Pública para além de uma longa entrevista a propósito do último livro dele, que sai - ou saiu - sexta-feira. Acho que foi ontem,sim.
E ele revela-se assim uma pessoa incrível porque normal mas conseguindo viver o sonho de escrever e ser reconhecido.
Assim, com um ar simples, de quem faz apenas o que lhe compete, sem arrobos de estrelinha ou laivos de genialidade exagerada. Assim...aprendendo a viver com a solidão, porque «nunca ninguém chega perto o suficiente», considerando-se uma ilha e formando com  os amigos um arquipélago, procurando novos seres no reino das palavras, e vivendo a idade adulta como a conquista do «direito aos nossos defeitos e às nossas virtudes».
Assim, um escritor solitáris, que vive as suas excitações em viagens de palavras, em viagens físicas a lugares que o chamam, em encontros de pormenor, que escreve porque é assim, porque tem de ser, porque os livros curam, quase como o cumprimento de um desígnio.
O que é que ele tem a mais que os outros? Talvez o facto de não existir concretamente; de só se revelar em fascículos, em pequenos tomos, em pedaços de realidade construída que nunca sofrerão de um ronco à noite, de um arroto depois da cerveja, de uma gripe estupidamente sofrida ou de um descaso das minhas coisas. Ele existe enquanto o leio, arruma-se na estante e está lá para mim, quando eu preciso. Escreve para mim, dedica-se a mim, tanto quanto me interessa existe para mim. É um escritor! E é como tal que o amo.

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