quinta-feira, 19 de março de 2020

Em casa, naturalmente

Ontem, em completo isolamento social (só eu e o meu carro) saí por aí. Parei numa beira mar e fiz uma caminhada ininterrupta de uma hora e meia.
Qual Marquês de Carabás fazendo uma vistoria às suas propriedades, olhei campos e mares, árvores e habitações. Ouviam-se os pássaros com uma intensidade como pouca vezes ouvi. Ao longe via-se uma ou outra pessoa...a trabalhar ou a passear, mas isoladas. Os pouquíssimos que se cruzaram comigo afastaram-se prudentemente. Em alguns vi sorrisos e trocámos "Boas tardes", mas a maior parte parecia assustada e ensimesmada.
O que eu sentia - e que é um disparate se assim for - é que as pessoas me olhavam como se eu não tivesse o direito de estar ali...onde elas também estavam. Ou talvez isto seja só da minha cabeça, que me desaconselhou várias vezes de ir.
O passeio soube-me muito bem e depois recolhi-me a casa, com algumas fotos de flores e uma musicalidade tão natural na minha cabeça que (quase) me limpou o medo. Que o tenho, confesso. Sobretudo o medo de contrair e contagiar outras pessoas. E medo que as pessoas fiquem más e distantes depois disto, embora os meus amigos facebookianos me enviem evidências do contrário.
Ontem despedi-me dos passeios e da liberdade.
Claro que eu sou uma privilegiada, porque vivo num prédio pequenino e calmo, com varanda e um jardim público ao alcance da vista. Então a paisagem é calmante (e existe, porque para muitos é a parede do prédio fronteiro) e tudo isto se passará em bem. Espero que o pequeno supermercado do centro continue a funcionar, porque dá para ir a pé e evitar os grandes, as filas e os exageros. A farmácia, caso seja necessária, também fica a passos de distância. Já gostava muito de morar aqui, mas agora ainda me congratulo mais, por ter tudo o que verdadeiramente necessito a poucos passos de distância. A tabacaria e o café, que tanto estimo, também estão perto, mas agora não posso frequentá-los, Descobri que afinal o Nescafé também me preenche as necessidades de cafeína diária (que também consegui diminuir) e na arca congeladora descubro salame e bolo rei que estavam embrulhadinhos desde o Natal.
E pronto. É isto. Tudo pronto para a quarentena. E esperemos que para a necessária reflexão sobre a vida que levamos.

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