sábado, 5 de junho de 2010

Dois Loucos no Bairro

"um passa os dias
chutando postes para ver se acendem

o outro as noites
apagando palavras
contra um papel branco

todo bairro tem um louco
que o bairro trata bem
só falta mais um pouco
pra eu ser tratado também"

Paulo Leminski(1944-1989), colhido em poemblog

10 comentários:

Ninguém.pt disse...

Em frente ao computador, virgulando textos históricos, acentuando tónicas sociais...

Quem sabe este texto irá ajudar?


Os sumérios eram sumários

os sumérios eram sumários
e por isso foram sumírios
daí vem que foram semírios
mírios de se ou de si

os sumírios eram sumários sendo sumérios
e daí vem que foram sumiros
sumaros e sumêros

os sumários eram suma dos
é daí que vem o sumo
a soma e a suma-a-uma

os sumórios eram sumêdos
porque eram semudos
e mudos de se ou de si
eram sumúrios

os sumúrios eram semílicos
simólicos e simulados
daí vem que amaram a sêmula
a súmula
e o tacão alto


Ana Hatherly

(Bem, pelo menos vale um sorriso, não? E um sorriso nosso pode salvar-nos o dia – não tanto quanto certos olhares, mas é como diz o outro: "deus não pode dar tudo, dá a uns a chuva e a outros os chapéus".)

Escrivaninha disse...

Um sorriso grande! Que é uma salvação quase completa.

Na minha família havia outra versão desse provérbio sobre as dádivas divinas: «Dá Deus nozes a quem não tem dentes!». Era sempre dito com um som fatalista e nem aos que tínhamos dentes apetecia mostrá-los.

Mas,na mesma linha, recordo esta expressão, que ouvi numa novela, muito estilo brasileiro: «Sempre que chove sopa, eu tou de garfo na mão!»

Ninguém.pt disse...

Estou imaginando a cena da sopa caindo e eu de garfo... Com a sorte que tenho, seria certamente chuva de "consommé" – nem um fajanito para apanhar...

Da margem esquerda da vida

Da margem esquerda da vida
Parte uma ponte que vai
Só até meio, perdida
Num balo vago, que atrai.

É pouco tudo o que eu vejo,
Mas basta, por ser metade,
P'ra que eu me afogue em desejo
Aquém do mar da vontade.

Da outra margem, direita,
A ponte parte também.
Quem sabe se alguém ma espreita?
Não a atravessa ninguém.


Reinaldo Ferreira

Escrivaninha disse...

Ai! Que lindo!...

Este poeta não era o famoso «Repórter X»?

(Normalmente eu iria ver antes de perguntar, mas como sei que o Mestre sabe e estou com pouco tempo, abuso do seu. Espero que me perdoe).

Eu li várias crónicas do Repórter X. Creio que tive, na minha adolescência, um livro dele.

Escrivaninha disse...

Ninguém diria que não é alentejano: fajanito... Isso é conversa de alentejano, nem que seja alentejano da Amadora ou do Barreiro! :-)

Ninguém.pt disse...

Não sou alentejano, mas tenho pena. Adoro o Alentejo e os seus usos e costumes – incluindo estes diminutivos que partem do radical latino, ao contrário do que acontece no resto do país: cão = canito, pão = panito, fajão = fajanito, e por aí fora.

Quanto ao Reinaldo Ferreira, sim, é o mesmo repórter misterioso. Mas é ainda melhor poeta – tendo até sido cantado pela "sua" Amália...

Repórter X, mistério; vírgulas, sujeitos e predicados – lembrou-me disto:

O assassino era o escriba

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito
inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida,
regular com um paradigma da primeira conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas
expletivas, conetivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.


Paulo Leminski

(Se precisar de ajuda para acentuar e virgular, prometo que pontuarei sem reticências e não colocarei interrogações.)

Ninguém.pt disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ninguém.pt disse...

Aqui em cima errei! Fiquei com a pedra no sapato e fui investigar quem era o autor dos poemas que tenho assinados "Reinaldo Ferreira" — até porque tenho outros assinados "Reinaldo Ferreira (Filho)".

Cheguei a uma colectânea de textos cantados por Adriano Correia de Oliveira onde constava "Menina dos Olhos Tristes" e deixava bem claro que o autor era o Reinaldo Ferreira (Filho).

Peço perdão pelo equívoco.

Para mim serviu para aprender mais umas coisitas...

(Mas a oferta de ajuda para virgular mantém-se...)

O anãozito que orienta este tráfego stressou...

Escrivaninha disse...

Obrigada, Mestre!

A ausência de resposta foi por uma boa causa: ao fim do dia, o lançamento do livro de um amigo e o prolongamento da festa com jantar e passeio. São os amigos que me pontuam a vida com muitas «Partículas de Felicidade», os que conheço de carne e osso e aqueles que só conheço de palavras.

Vim aqui só agradecer e desejar Boa Noite.

Ninguém.pt disse...

Obrigado, Miss. E um muito bom

Sonho

Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida e nela
só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
[…]

Clarice Lispector

(O resto deste poema já a Miss Escrivaninha citou algures por aí...)