segunda-feira, 14 de junho de 2010

Gostinho

"Gostamos de quem gosta de nós. É um cliché. Mas a pura verdade. Gostamos de quem gosta de nós. Nada a fazer. Contra a estima, a admiração, a simpatia, o respeito, o afecto, não há nada a fazer. Uma pessoa gosta de nós e exerce o seu direito potestativo de nos fazer gostar também. Desse modo, apesar de não escolhermos as pessoas de quem gostamos, acabamos por ser escolhidos pelas pessoas que gostam de nós.
Claro que este «gostar» é meramente amigável e social(...). Esse «gostar» não vale, note-se, para o amor."


Mexia, Pedro, "Gostar" in Primeira Pessoa, p. 46

10 comentários:

Ninguém.pt disse...

O Pedro Mexia esquece as amizades não correspondidas, para não falar dos amores que se platonizam pela vida fora.

Não é assim tão linear, pois não, Miss?

A não ser que tomemos a palavra pela ponta semântica do Poeta:

Meu camarada e amigo

Revejo tudo e redigo
meu camarada e amigo.
Meu irmão suando pão
sem casa mas com razão.
Revejo e redigo
meu camarada e amigo

As canções que trago prenhas
de ternura pelos outros
saem das minhas entranhas
como um rebanho de potros.
Tudo vai roendo a erva
daninha que me entrelaça:
canção não pode ser serva
homem não pode ser caça
e a poesia tem de ser
como um cavalo que passa.

É por dentro desta selva
desta raiva deste grito
desta toada que vem
dos pulmões do infinito
que em todos vejo ninguém
revejo tudo e redigo:
Meu camarada e amigo.

Sei bem as mós que moendo
pouco a pouco trituraram
os ossos que estão doendo
àqueles que não falaram.

Calculo até os moinhos
puxados a ódio e sal
que a par dos monstros marinhos
vão movendo Portugal
— mas um poeta só fala
por sofrimento total!

Por isso calo e sobejo
eu que só tenho o que fiz
dando tudo mas à toa:
Amigos no Alentejo
alguns que estão em Paris
muitos que são de Lisboa.
Aonde me não revejo
é que eu sofro o meu país.


Ary dos Santos

Mas só ideologicamente conseguimos ter coração para tanto amigo...

Escrivaninha disse...

Não, nada disto é linear, mas há uma propoensão para gostarmos de quem gosta de nós, de facto. Já nos amores, nem tanto. Por vezes fugimos de quem gosta de nós.

A questão do platonismo...não é a primeira vez que a aborda...não sei...não tenho grande opinião sobre o assunto, se bem que talvez seja a hipótese de haver um amor perfeito, sem desilusões, porque só no plano das ilusões.

Isto dava pano para mangas...largas...

Ninguém.pt disse...

A Miss Escrivaninha fala como se o platonismo fosse a opção escolhida pelos platónicos...

Penso eu que a maior parte das vezes os platónicos serão como a raposa da fábula: "Estão verdes, não prestam!"

Ou, pela sua maneira de ver: "Estão maduras, não as como para as preservar!"

Mas eu falei do platonismo apenas de "raspão". Acho que as amizades nem sempre são retribuídas e que há quem goste de nós e não consigamos tragar...

O gostar tem a ver com a empatia – coisa sumamente subjectiva e que pode não funcionar em espelho. Que muitas vezes não funciona de todo.

Se temos de tirar disto o amor, tiremos também o gostar daqueles que nos criaram, que nos mimaram e a quem mimámos, que fazem parte do nosso meio ambiente – e o seu inverso: aqueles que criámos, que mimámos e nos mimaram.

Porque esse é um gostar por criação, como se dizia antigamente.

Quanto às mangas, realmente isto daria para mangas de capote – coisa incómoda no Verão que todos desejamos que comece e dure pelo menos até ao fim.

(Só por curiosidade, a palavra para verificação que me saiu agora: prole. Era precisamente disso que falava e, sim, eu sei, estou a abusar...)

Escrivaninha disse...

Reitero a minha opinião de que o Mestre é uma pessoa complicada. Então não era melhor admitir que quem gosta de nós tem, pelo menos, bom gosto?

Pode ser um bocadinho narcísico, mas...funciona.

Já os que nos adulam, de forma pública, me assustam e me deixam muito desconfiada.

Mas, essa coisa da empatia, não tem explicação: sente-se, não se racionaliza. E quando se sente é muito bom. Por vezes é com pessoas que conhecemos há pouco tempo, mas parece ser uma sólida amizade. Gosto dessas pessoas. De quem gosto ao primeiro olhar. (Há tão pouquinhas...já aquelas de que não gosto ao primeiro, ao segundo...ao vigésimo olhar...tenho uma bela lista. Mas eu sou conhecida por ter mau feitio!)

Ninguém.pt disse...

Se estivéssemos de acordo seria para aí a 3.ª vez um recorde mundial...

Bote complicado nisso! Mas também procuro não ser narcísico e até não faço grande esforço por ser simpático, se quer saber a verdade. (Mau feitio, eu tenho.)

Quando dizemos o que pensamos (sem ofender, claro), raramente temos uma coorte de fãs.

Contudo, quem é simples, neste mundo louco em que vivemos?

Demos lugar à poesia – não propriamente sobre a amizade, mas...

A amiga deixada

Antiga
cantiga
da amiga
deixada.

Musgo da piscina,
de uma água tão fina,
sobre a qual se inclina
a lua exilada.

Antiga
cantiga
da amiga
chamada.

Chegara tão perto!
Mas tinha, decerto,
seu rosto encoberto...
Cantava — mais nada.

Antiga
cantiga
da amiga
chegada.

Pérola caída
na praia da vida:
primeiro, perdida
e depois — quebrada.

Antiga
cantiga
da amiga
calada.

Partiu como vinha,
leve, alta, sozinha,
— giro de andorinha
na mão da alvorada.

Antiga
cantiga
da amiga
deixada.


Cecília Meireles

Escrivaninha disse...

Uma amiga deixada, um amor inacabado, uma recordação sempre viva...algo que não terminou e por isso se mantém vivo, como o amor platónico, não é?

Quem recorda um amor que terminou em tédio? Quem recorda um amor que se acabou? O que se recorda/deseja é uma continuidade que ainda se crê possível...uma ilusão.

Recordei-me agora de um filme que me marcou muito: «Plenty . uma história de mulher», magnificamente interpretado pela Merryl Streep. Viu esse filme? (como dizem os meus alunos: «Brutal!»)

Ninguém.pt disse...

Não, iria jurar que nunca vi esse filme, embora o tenha na minha colecção – mas não sei onde, estive a verificar e deve ter ficado emprestado a alguém mais esquecido...

Geralmente gosto dos papéis representados por Meryl Streep. É uma grande actriz.

(O superlativo absoluto sintético da moda: brutal. No meu tempo usava-se um outro que caiu em desgraça: tremendo!)

Escrivaninha disse...

E no meu (embora eu não goste destas coisas dos tempos de uns e de outros) era «bestial!», que a minha avó sempre insistia que vinha de «besta»...

Ninguém.pt disse...

Tem razão (!!) todo o tempo é o nosso tempo. Faltou-me ali a expressão "de meninice"...

Bestial ainda se usa – é o patamar anterior ou posterior ao de besta. Nunca sabemos se estamos a subir ou a descer, depende das circunstâncias.

Mas amizade, amizade a sério, está neste

Segredo

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo tem lá dentro um passarinho
Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...


Miguel Torga

É esta a vantagem da amizade sobre o amor: raramente os amigos tentam "formatar" os amigos. Mas os amantes passam as passas dos algarves para tentarem pôr o outro ao seu jeito — claro que nunca conseguem e que essa tentativa é fonte de numerosos atritos e rancores.

No entanto, quanto suspiramos por esse "fogo que arde sem se ver"...

Durma bem, Miss, sonhando com amigos fazendo o pino a voar.

Escrivaninha disse...

Adorei este Torga!

Obrigada.

Bons sonhos, também.