Como se consegue conciliar o «olho por olho, dente por dente» com a oferta da outra face, no mesmo livro de orientação teórica e metodológica para a vida?
A Bíblia devia ter um aviso, no início, da género:
«A coordenação desta publicação não se responsabiliza pelas opiniões expressas, que são da única e exclusiva responsabilidade dos autores de cada artigo.»
É muito difícil reger a vida por um livro que não prima pela coerência.
Se optarmos pela orientação da moral laica - que parte dos valores cristãos para se firmar no asséptico «politicamente correcto» - tropeçamos frequentemente na hipocrisia social e em todo o tipo de incorrecções mascaradas de civismo «para inglês ver» (ou melhor, e para não afirmar qualquer país, «para uma comunidade internacional e absolutamente plural ver»).
Se quer no plano da imanência quer no da transcendência não existem caminhos claros...estaremos condenados a viver sempre errados? Porque afinal a Verdade é sempre só a nossa verdade...e a Razão é sempre só a nossa razão...Como nos relacionamos com os outros, então?
Felizmente existem o céu, o mar e a música, de que podemos beneficiar sozinhos, sem dar explicações, sem dividir espaços, sem nos preocuparmos com mais nada, a não ser o momento de estar aqui e agora, com a caneta que obedece à nossa mão, com o som que nos faz ir descontraindo e com o ar, que nos entra pelas narinas, sem um plano prévio, sem regras estabelecidas, sem termos de pensar no certo e no errado...
Só estamos, somos, assim.
Será que as palavras ficam presas no tempo? Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil? Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?... Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto. Por puro prazer!
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8 comentários:
Viver sempre também cansa!
Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
José Gomes Ferreira
Não quer considerar - a pedido de várias famílias, tenho a certeza - a possibilidade de abrir um consultório de terapia pela poesia? Psicopoesia, talvez...
Os poetas (não eu!) têm o dom da duplicidade: poema lido a rir até nos mostra os dentes, mas também servirá para nos dar a certeza de que o mundo é negro, o amor impossível, a vida uma trampa...
É uma espécie de banha-da-cobra para o espírito, a Poesia!
Se não tivermos panarícios, usemo-la como graxa para a alma.
lamento informar mas creio ter visto pblicidade anunciando descontos de natal para sistemas GPS para viver...
se comprar um com a função «Grande Prazer de Sonhar» vai ver que muda a frase para "sonhar é preciso, viver também é preciso".
Viagem
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga
Ah, Mestre! Até me assustei com tanto desalento. Mas vejo que já encara rumar para outra viagem...talvez alcance o destino que ainda não sabe.
Eu ainda não decidi que o amor é impossível, só acho que não tem sido possível...
Ou talvez sejamos - os que assim vivemos desanimados e procurando panaceias poéticas ou outras - demasiado exigentes e como tal não nos contentamos com produtos de segunda, com amores menos que perfeitos. E depois queixamo-nos...
Vamos tentando velejar, então.
Navegar é preciso, sem dúvida.
josé luis
Sempre a cuidar das minhas «partículas de felicidade»! Sempre a usar o melhor dos jogos de palavras!
Obrigada pelo conselho.
Vou procurar o produto e beneficiar do seu uso.
Origada.
última hora!
consegui fotografar um dos tais GPS especiais, que permitem lutar contra a infelicidade e o fardo do tempo... visite o meu fotogrog!
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