quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

humanidade

Mário Zambujal a propósito do seu novo livro, cuja acção se passa no futuro:

"Daqui a 35 anos, muitas coisas serão diferentes. Mas o que muda são os objectos. Os seres humanos continuam a ser os mesmos, com paixões, tropelias, triângulos amorosos...
(...)
Os adereços e os cenários hão-de mudar, mas as paixões serão semelhantes às do século XII, quando já havia encontros de amor - apenas não se marcavam por telemóvel."


Entrevista em Visão, nº 874, pp.130-138

(sempre digo aos meus alunos: com técnicas e tecnologias diferentes, com cenários muito diversos, o que faz nos faz bater o coração mais depressa - o que nos inquieta e nos aquieta também - tem sempre a mesma natureza, porque está de acordo com a nossa natureza humana. E essa não muda muito; com tudo o que esta constatação tem de maravilhoso e de terrível.)

6 comentários:

josé luís disse...

abençoado séc. XII!....

[apesar de tudo, só no séc. XXI é que é possível enviar, à distância, coisas tão da natureza humana como... carinho, por exemplo, não é? :-)]

Ninguém.pt disse...

Desculpe, escrivaninha, mas estou discordando.
O ser humano está hoje muito diferente – e para melhor, por estranho que nos possa parecer.
No século XII, quantos homens e mulheres seriam capazes de expressar publicamente ternura, carinho? Em quantos rostos seria possível ver um "brilhozinho nos olhos" só porque confrontados com a ternura de uma criança?
Tirando os poetas, os amantes (uns quanto os outros apenas nas classes mais ricas, claro) e talvez as crianças – poucos seriam tão sensíveis a sentimentos de afecto como somos hoje, não lhe parece?
Claro que também não podiam fazer chegar essas manifestações de afecto muito para além do seu próprio nariz – mas a grande diferença é que hoje somos mesmo mais humanos e mais afectuosos com a nossa (restrita) tribo.
Comovemo-nos mais, temos uma sensibilidade mais à flor da pele, apreciamos as coisas belas com naturalidade...
Mudamos muito devagarinho – mas já mudámos muito desde o tal longínquo século em que já havia encontros de amor...
Um carinhoso chocho... e, já de seguida, o primeiro e mais belo poema de amor – do século XV, salvo erro.

Ninguém.pt disse...

"Apenas" encontrei esta versão da sua querida Amália...

http://www.youtube.com/watch?v=9NcwCx01YvY

Senhora, partem tão tristes...

Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos
tão doentes da partida
tão cansados, tão chorosos
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.


João Roiz de Castel-Branco

Escrivaninha disse...

josé luis
Muitas pessoas se queixam da desumanização que dizem que a internet e outras tecnologias vieram introduzir na nossa sociedade. Mas eu acho - e este e tantos outros blogues o provam - que a utilização que fazemos das coisas dependem das nossas características: se cultivamos os valores humanistas a internet é só mais um meio para os disseminar; para enviar carinhos, poesias, mimos, solidariedade...

Escrivaninha disse...

Mestre:
Pois estamos em desacordo, então. Por questões sociais e sobretudo de educação, podemos hoje exteriorizar - sem vergonha e com orgulho - os nossos sentimentos, que durante muito tempo eram apontados como sinais de fraqueza. Aí os homens tiveram uma vida muito mais difícil. Nós, apelidadas de «sexo fraco», podíamos fraquejar...até para dar aos homens a oportunidade de brilhar, de nos proteger. Se a educação encarcerava os homens em máximas como «um homem não chora, nem que veja as tripas de fora», hoje cantamos em coro com um homem do norte que «um homem também chora quando assim tem de ser».
Mas se já abolimos os torneios medievais e os autos de fé como espectáculos didácticos, criámos uma resistência à guerra e à morte em massa, que nos permite jantar calmamente em frente a uma televisão que exibe imagens de massacres, atentados bombistas ou mortes por subnutrição...
Não sei o que é melhor, nem pior.
Não me parece que a natureza humana tenha mudado muito...
mas não tenho certezas...uns dias estou mais optimista e outros nem tanto, faço o que penso ser o meu melhor, mas assusta-me a nossa impotência e convivência resignada com o mal da natureza humana, que protagoniza as notícias que, como sociedade, devoramos com uma atenção quase necrófaga.
Mas receber um «carinhoso chocho» via internet, não me permite dizer que não existem mudanças significativas, de facto...
Isto daria «pano para mangas» se fôssemos alfaiates e dará certamente matéria para muitas conversas de café...de cibercafé...como às vezes penso que este blogue se assume.
Obrigada por sempre me colocar questões difíceis, com o desassombro de quem não tem medo de falar e escrever sobre sentimentos.

josé luís disse...

escrivaninha, parabéns!
os seus dois últimos comentários dizem exactamente o que deve ser dito sobre este dilema actual das realidades virtuais que a tecnologia possibilita e potencia cada vez mais...
e (outra coisa a ter de agradecer à modernidade) considero ser um previlégio enorme poder seguir as suas palavras e ler esta sua escrita - sempre clara e... brilhante! obrigado.