domingo, 6 de dezembro de 2009

Alma até Almada!

"Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve haver certamente outras maneira de se salvar uma pessoa, senão estarei perdido."

Frase que já tinha ouvido como atribuída a Almada Negreiros e que, procurando, colhi na Biografia de Almada Negreiros publicada em Vidas Lusófonas.pt, da autoria de Cristina Vaz

3 comentários:

josé luís disse...

para um borges, minha amiga, este belíssimo texto remete de imediato para «a biblioteca de babel» do meu querido primo argentino.

essa biblioteca é o acervo de todos os livros que há (que houve, que há e que haverá), até está por lá perdido um livro que narra, letra a letra, segundo a segundo, toda a vida da escrivaninha, e, como é evidente, é uma biblioteca que se confunde com o próprio universo.

é evidente que numa biblioteca incomensurável, uma estante perdida alberga o livro que salvaria almada (e o que me salvaria a mim e, salvo seja, o que salvaria a escrivaninha), ou seja, o livro que sempre buscámos, o que engloba todos os livros, o tal que sempre quisémos ler para nossa salvação está na biblioteca de babel... mas a probabilidade de o encontrar é infinitesimal - inversamente proporcional ao infinito que define a biblioteca.

e quando se põe essa pergunta: «vale a pena passar a vida a procurá-lo?» sabemos que a resposta está na frase que diz que «o caminho percorre-se caminhando»... - caminhando (ou navegando) sabemos que na verdade nunca estaremos perdidos.

se eu pudesse falar com almada dir-lhe-ia convictamente: "mestre, garanto-lhe que se lesse metade desta livrara, já estaria certamente salvo"...

e escrivaninha, lembre-se sempre daquela tisana antiga da ana hatherly:
«Era uma vez uma pessoa que procurava a sabedoria. Tinham-lhe dito que para a atingir tinha sempre de aceitar e recusar ao mesmo tempo tudo o que lhe fosse oferecido, dito ou mostrado. Quando perguntava por onde era o melhor caminho e lhe diziam “é por ali” ela devia seguir imediatamente nesse sentido e depois no sentido contrário. Tendo assim percorrido todas as direcções indicadas e as não indicadas, sem mais caminhos a percorrer, sentou-se no chão e começou a chorar. Sem saber, tinha chegado.»

Ninguém.pt disse...

Será que o que procuramos está na biblioteca?
Não estaremos procurando no sítio errado?

Prospecção


Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.

Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.


Miguel Torga

Ninguém.pt disse...


Poeminha tentando justificar minha incultura


Ler na cama
É uma difícil operação
Me viro e reviro
E não encontro posição.
Mas se, afinal,
Consigo um cómodo abandono,
Pego no sono.


Millôr Fernandes