quarta-feira, 21 de julho de 2010

Figuras...por estimação

"- Boa tarde! Faz favor?...
- Queria dois bifinhos de perú e uns hamburguers, por favor.
- Ora cá está. Mais alguma coisa?
- Não, muito obrigada.
- E o Minhú, está bonzinho?
Estaquei, verdadeiramente espantada.
- Conhece o meu gato? - perguntei deliciada pela gentileza
- Qualquer pessoa que more nas redondezas sabe que a senhora tem um gato chamado Minhú! - o sorriso que exibia acentuava ainda mais a raiva do seu olhar.
Saí envergonhada do talho. Ainda não me tinha apercebido que, ao cair da noite, mais de meia cidade devia descobrir que eu tinha um gato e queria que ele voltasse para casa, são e salvo..."

6 comentários:

Ninguém.pt disse...


Acerca de gatos


Em abril chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.

Veio depois, já em Coimbra, uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no pinhal, não lhe tive
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
depois entrou em casa, para ser
senhora dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.

Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, e partilhe
a leitura do Público ao domingo.


Eugénio de Andrade

Ninguém.pt disse...


Simplicidade


Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.

Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;

Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...

Tudo isso eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.


Pedro Homem de Mello

Ninguém.pt disse...

Hmmmm... Que raio... Que armário tão grande, para que serve? Portas de catedral, lindas, mas... tão grandes! Sei que é um armário, mas como o sei? Sei que esconde algo, mas como o sei? Estranho! Decido, a medo, abrir as portas, pesadas, com aldrabas em argola. Chiam, se fossem minhas oleava um pouco os gonzos. De princípio não vejo nada lá dentro, está escuro. Não tem prateleiras em cima e, em baixo... em baixo está um móvel... uma escrivaninha! Socorro! Soc...

Heim?!, que sonho parvo! Felizmente acordei a tempo, antes de ser socorrido não sei de que perigo, a a tempo de... de quê? Bem, não passou de um sonho... Complicado, como sempre.
Viro-me e tento adormecer de novo.

Escrivaninha disse...

Nem me atrevo a pôr nenhum post hoje, pois já imagino que isso possa ser causa de sonhos ou pesadelos...
Sonhinhos descansados!

Ninguém.pt disse...


Sono


Dormir
mas o sonho
repassa
duma insistente dor
a lembrança
da vida
água outra vez bebida
na pobreza da noite:
e assim perdido
o sono
o olvido
bates, coração, repetes
sem querer
o dia.


Carlos de Oliveira

Não são os seus posts que me tiram o sono ou me dão pesadelos, Miss Escrivaninha... Aliás, antes pelo contrário, já não consigo adormecer sem espreitar antes se há algo de novo.

Os sonhos são, como diz o poeta, quando o «coração, repete sem querer o dia», e quando o dia não é favorável...

Obrigado pelos desejos, que retribuo em dobro.

josé luís disse...

... até fernando antónio (o irmão pessoa que parece não tinha animais - embora conste que tivesse biblioteca) escreveu:


Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.