domingo, 18 de julho de 2010

Faz de conta que ainda é cedo e se entrega na sedução

7 comentários:

Escrivaninha disse...

«Ó pra mim a desenvolver competências!» :-))

Ninguém.pt disse...


Louvor do aprender


Aprende o mais simples! Pr‘àqueles
Cujo tempo chegou
Nunca é tarde de mais!
Aprende o abc; não chega, mas
Aprende-o! E não te enfades!
Começa! Tens de saber tudo!
Tens de tomar a chefia!

Aprende, homem do asilo!
Aprende, homem na prisão!
Aprende, mulher na cozinha!
Aprende, sexagenária!
Tens de tomar a chefia!

Frequenta a escola, homem sem casa!
Arranja saber, homem com frio!
Faminto, pega no livro: é uma arma.
Tens de tomar a chefia.

Não te acanhes de perguntar, companheiro!
Não deixes que te metam patranhas na cabeça:
Vê c'os teus próprios olhos!
O que tu mesmo não sabes
Não o sabes.
Verifica a conta:
És tu que a pagas.
Põe o dedo em cada parcela,
Pergunta: como aparece isto aqui?
Tens de tomar a chefia.


Bertold Brecht

Ninguém.pt disse...


A todos e a cada um dos meus amigos


Por um por todos por nenhum
faço o meu canto canto a minha mágoa
num desencanto aberto pelo gume
deste pranto tão limpo como a água.

Por nenhum por todos ou por um
eu dou o meu poema o meu tecido
de palavras gravadas com o lume
do medo que na voz trago vencido.

Por nenhum por um mesmo por todos
sou a bala e o vinho sou o mesmo
que pisa as uvas os versos e o lodo
num chão onde a coragem nasce a esmo.


Joaquim Pessoa

Ninguém.pt disse...


Identidade


Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.

Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.

Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.


Miguel Torga

Ninguém.pt disse...


O único amigo


Não me alcançarás, amigo.
Chegarás ansioso, louco;
mas eu já terei partido.

(E que medonho vazio
tudo o que tiveres deixado
atrás, para vir comigo!

Que lamentável abismo
tudo quanto eu tenha posto
entre nós, sem culpa, amigo!)

Não poderás ficar, amigo.
Voltarei talvez ao mundo.
Mas tu já terás partido...


Juan Ramón Jiménez

Ninguém.pt disse...


Assombros


Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.

Os mais íntimos já me viram
remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.


Affonso Romano de Sant'Anna

Ninguém.pt disse...


Negrume


De tanto olhar o sol, queimei os olhos.
De tanto amar a vida, enlouqueci,
Agora sou no mundo esta negrura,
À procura
Da luz e do juízo que perdi.

Cego, tacteio em vão a claridade;
Louco, cuspo no rosto da razão;
E deambulo assim
Dentro de mim,
Negação a negar a negação.


Miguel Torga