Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
domingo, 18 de julho de 2010
Faz de conta que ainda é cedo e se entrega na sedução
Aprende o mais simples! Pr‘àqueles Cujo tempo chegou Nunca é tarde de mais! Aprende o abc; não chega, mas Aprende-o! E não te enfades! Começa! Tens de saber tudo! Tens de tomar a chefia!
Aprende, homem do asilo! Aprende, homem na prisão! Aprende, mulher na cozinha! Aprende, sexagenária! Tens de tomar a chefia!
Frequenta a escola, homem sem casa! Arranja saber, homem com frio! Faminto, pega no livro: é uma arma. Tens de tomar a chefia.
Não te acanhes de perguntar, companheiro! Não deixes que te metam patranhas na cabeça: Vê c'os teus próprios olhos! O que tu mesmo não sabes Não o sabes. Verifica a conta: És tu que a pagas. Põe o dedo em cada parcela, Pergunta: como aparece isto aqui? Tens de tomar a chefia.
7 comentários:
«Ó pra mim a desenvolver competências!» :-))
Louvor do aprender
Aprende o mais simples! Pr‘àqueles
Cujo tempo chegou
Nunca é tarde de mais!
Aprende o abc; não chega, mas
Aprende-o! E não te enfades!
Começa! Tens de saber tudo!
Tens de tomar a chefia!
Aprende, homem do asilo!
Aprende, homem na prisão!
Aprende, mulher na cozinha!
Aprende, sexagenária!
Tens de tomar a chefia!
Frequenta a escola, homem sem casa!
Arranja saber, homem com frio!
Faminto, pega no livro: é uma arma.
Tens de tomar a chefia.
Não te acanhes de perguntar, companheiro!
Não deixes que te metam patranhas na cabeça:
Vê c'os teus próprios olhos!
O que tu mesmo não sabes
Não o sabes.
Verifica a conta:
És tu que a pagas.
Põe o dedo em cada parcela,
Pergunta: como aparece isto aqui?
Tens de tomar a chefia.
Bertold Brecht
A todos e a cada um dos meus amigos
Por um por todos por nenhum
faço o meu canto canto a minha mágoa
num desencanto aberto pelo gume
deste pranto tão limpo como a água.
Por nenhum por todos ou por um
eu dou o meu poema o meu tecido
de palavras gravadas com o lume
do medo que na voz trago vencido.
Por nenhum por um mesmo por todos
sou a bala e o vinho sou o mesmo
que pisa as uvas os versos e o lodo
num chão onde a coragem nasce a esmo.
Joaquim Pessoa
Identidade
Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.
Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.
Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.
Miguel Torga
O único amigo
Não me alcançarás, amigo.
Chegarás ansioso, louco;
mas eu já terei partido.
(E que medonho vazio
tudo o que tiveres deixado
atrás, para vir comigo!
Que lamentável abismo
tudo quanto eu tenha posto
entre nós, sem culpa, amigo!)
Não poderás ficar, amigo.
Voltarei talvez ao mundo.
Mas tu já terás partido...
Juan Ramón Jiménez
Assombros
Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.
Os mais íntimos já me viram
remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.
Affonso Romano de Sant'Anna
Negrume
De tanto olhar o sol, queimei os olhos.
De tanto amar a vida, enlouqueci,
Agora sou no mundo esta negrura,
À procura
Da luz e do juízo que perdi.
Cego, tacteio em vão a claridade;
Louco, cuspo no rosto da razão;
E deambulo assim
Dentro de mim,
Negação a negar a negação.
Miguel Torga
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