sexta-feira, 23 de julho de 2010

Área de Projectos

A primeira vez que 'dei Área de Projecto' (se é que aquilo se dá...) foi numa turma de 9ºano, com quem me dava muito bem há três anos e foi uma experiência muito interessante, porque eles faziam tudo sozinhos. Mas faziam mesmo!
Querem agora, cada vez mais, implementar coisas destas, mas esquecem-se que, para isso, é necessário que os alunos tenham preparação para a investigação e não que considerem pesquisa a impressão de uma folha da 'net', de onde nem apagaram o endereço.
Bem, afastemos as lamúrias, que hoje está de sol e as férias à porta!
Recordava-os agora eu, porque, como nessa experiência tinha o tempo da aula quase livre, dedicava-me a observar certos aspectos que me interessam na postura dos jovens, sobretudo aquilo em que são diferentes «do meu tempo» de juventude.
Como os garotos eram muito autónomos e muito competentes e delinearam interessantíssimos projectos de investigação, o mínimo que eu podia fazer, era assegurar-lhes um bom ambiente de trabalho. Como sei como para mim é importante a informalidade do ambiente - não consigo escrever num ambiente muito rígido - requisitava uma das poucas salas que tinha o formato que considero adequado à leccionação - em U - e deixava-os trabalhar por grupos, organizando-se da maneira que lhes desse mais jeito, com um ou dois portáteis por grupo.
Num desses dias, em que eles estavam muito, muito entusiasmados com as suas tarefas, lembro-me de ter olhado satisfeita para a sala e ter pensado: isto parece o anúncio da Kanguru!
É que sempre me tinha intrigado a relação livre e informal que as pessoas estabeleciam com o computador na publicidade da «Banda larga em qualquer lugar»: eles estavam sentados em escadas, no topo de armários, em posições que, para mim, seriam impensáveis no trato com uma coisa cara e frágil com um computador.
Nesse dia percebi que a publicidade estava certa: os meus meninos estavam sentados sobre as mesas, alguns de perna traçada, com o computador equilibrado sobre um joelho, por detrás desses estavam outros semi-deitados nas mesas a acompanhar o trabalho de digitação, e num dos cantos, estavam os meninos da música, com uma viola e um jambé, a comporem uma banda sonora já não me recordo bem para quê. (Talvez esteja aqui a ler isto um dos protagonistas dessa turma, embora com um trabalho de powerpoint mais sério e menos sonoro)*.
Vem tudo isto a propósito de eu ontem ter dado comigo a escrever no computador semi-recostada na cama e a emendar uns textos, só com a mão direita, sobretudo a colocar maiúsculas em certas palavras. Foi um momento muito saboroso da minha vida: recordei-me dos miúdos, percebi que a minha relação com os computadores está a mudar e recordei - de uma forma muito deliciosa - os meus tempos de aprendizagem de música: fazendo exercícios de carregar no 'Shift' e nas letras em simultâneo, recordei as dificuldades que tinha, no início da aprendizagem da música para poder tocar, de forma harmoniosa, nas teclas brancas e pretas. As correcções do texto tornaram-se assim momentos saborosos de retorno à infância e ao treino de trabalho de um outro teclado com a mão direita.
Um dia vou mesmo aprender piano, exercitando ambas as mãos num teclado que me traga também, felicidade.
Temos sempre tantos desejos para «um dia»! Foi isso que tornou a campanha dos pacotes de açúcar muito popular; uma espécie de «bolinhos da sorte» chineses. Eu leio sempre com muita atenção o que me calha no pacote de açúcar - Hoje de manhã dizia:"Um dia vais ser meu"...

*claro que rezava para que ninguém tivesse de ir à minha sala fazer qualquer coisa, pois sabia que nada disto seria bem visto na escola. E só o escrevo assim, descaradamente, porque estou protegida de Escrivaninha e o único ex-aluno que penso lerá isto, já passou, há muito tempo para a qualidade de amigo.

2 comentários:

Ninguém.pt disse...


Mergulha nos sonhos


mergulha nos sonhos
ou um lema pode ser teu aluimento
(as árvores são as suas raízes
e o vento é o vento)

confia no teu coração
se os mares se incendeiam
(e vive pelo amor
embora as estrelas para trás andem)

honra o passado
mas acolhe o futuro
(e esgota no bailado
deste casamento a tua morte)

não te importes com o mundo
com quem faz a paz e a guerra
(pois deus gosta de raparigas
e do amanhã e da terra)


E. E. Cummings
Tradução de Cecília Rego Pinheiro

Ninguém.pt disse...


A prisão do orgulho


Choro, metido na masmorra
do meu nome.
Dia após dia, levanto, sem descanso,
este muro à minha volta;
e à medida que se ergue no céu,
esconde-se em negra sombra
o meu ser verdadeiro.

Este belo muro
é o meu orgulho,
que eu retoco com cal e areia
para evitar a mais leve fenda.

E com este cuidado todo,
perco de vista
o meu ser verdadeiro.


Rabindranath Tagore
Tradução de Manuel Simões