sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Saudades da Minha Avó

Estava para aqui a ler como a escola mudou, como hoje a escola tem de se substituir aos pais na tarefa da educação, para além da tradicional instrução escolar e deu-me umas saudades da minha avó...
A minha avó teve imensa importância na minha educação.
Não era muito beijoqueira nem de fazer carinhos rasgados e abertos, mas era uma fortaleza! Sabíamos que podíamos contar com ela.
Calma, sem gritos nem desesperos, era firme nas suas decisões e não precisava de dizer as coisas mais de uma vez ou de encontrar longas explicações para uma regra.
Um dia lembrei-me de a tratar por tu:
"- Ó avó, tu sabes...
- Como? - interrompeu como se não tivesse ouvido bem
- A avozinha sabe...
- Ah! - e recuperou o interesse na conversa"
Não foi preciso nenhuma explicação ou punição. Estava percebida a tentativa e a interdição.
Um dia, muito pequena, insistia em mexer na água do tanque e ela deu-me uma pequena palmada na mão. Acto contínuo, levantei-lhe a mão. Ela bateu-me. Nunca me lembro de mais nenhuma vez em que me tenha batido.
Fechei-me na casa de banho a chorar, a gritar alto a minha desdita, estratégia que costumava dar resultado no outro lado da família, com um certo cunho italiano e propensão para gritos, lamúrias e longas e palavrosas discussões.
Ao fim de um bocado saí da casa de banho, fungona e dirigi-me a ela. - Eu gosto muito de si. - declarei entre soluços, esperando a misericórdia e reconciliação, que também costumavam ser efusivos do outro lado da família.
- Eu também gosto muito de ti - disse tranquilamente, olhando-me nos olhos - mas se mais alguma vez me levantas a mão, arriscas-te a qiue te parta o braço.
Estávamos entendidas. Para sempre.
Se ela viveu atormentada, com sentimentos de culpa, por poder ter-me traumatizado? Não creio. Ela sabia que eu havia de compreender assim, o que estava certo e errado na nossa relação, que ela tinha a autoridade e eu tinha de a respeitar ou sofreria as consequências. Que ela decidiria. Sem ir perguntar a ninguém se estava certo ou errado. Claro que estava certo. Ela sabia-o.
A relação foi sempre de respeito e de amor, embora não anunciado aos quatro ventos.
E muito instrutiva também.
Antes da National Geographic me ter explicado o que era uma preguiça já a minha avó mo tinha explicado, depois de, para me criticar por ser preguiçosa, ter aplicado uma das suas morais em verso:
"A preguiça a muito custo
Fez a cama e se deitou,
Pra nunca mais a fazer
Nunca mais se levantou"
Entre o defeito que eu - como qualquer adolescente, penso - parecia evidenciar e o bicho que «pede licença a uma pata para mexer a outra», a explicação estava certa.
Penso muitas vezes nos versos da minha avó. Pouco escolarizada, como era uso da época, creio que as rimas lhe serviam para fixar as coisas e pontuar o seu quotidiano:
"Senta-te perna, cá anda quem te governa" - dizia ao sentar-se
"Ai, ai, grande casa tem meu pai" - suspirava durante o dia
Já para não falar nas rimas associadas a cada nome - como o "Magalhães, esfola-gatos, mata-cães" - que muito me tem ecoado ao ouvido, perante a actual loucura nacional com o Magalhães.
E muitas, muitas rimas me marcaram a educação e instrução adquirida no lar da minha avó, que nunca leu um manual de pedagogia, mas que ainda hoje me serve de recurso em situações do meu quotidiano profissional. Sobretudo porque era uma pessoa segura e de bom-senso.
Será que é isso que nos vai faltando agora?

3 comentários:

Ninguém.pt disse...

Os vulcões, se falassem na nossa língua, diriam as coisas com esta força:

Aprender a estudar


Estudar é muito importante, mas pode-se estudar de várias maneiras...
Muitas vezes estudar não é só aprender o que vem nos livros.


Estudar não é só ler nos livros que há nas escolas.
É também aprender a ser livres, sem ideias tolas.

Ler um livro é muito importante, às vezes, urgente.
Mas os livros não são o bastante para a gente ser gente.

É preciso aprender a escrever, mas também a viver, mas também a sonhar.
É preciso aprender a crescer, aprender a estudar.
Aprender a crescer quer dizer:
aprender a estudar, a conhecer os outros, a ajudar os outros, a viver com os outros.

E quem aprende a viver com os outros aprende sempre a viver bem consigo próprio.

Não merecer um castigo é estudar.
Estar contente consigo é estudar.
Aprender a terra, aprender o trigo e ter um amigo também é estudar.

Estudar também é repartir, também é saber dar o que a gente souber dividir para multiplicar.

Estudar é escrever um ditado sem ninguém nos ditar;
e se um erro nos for apontado é sabê-lo emendar.

É preciso, em vez de um tinteiro, ter uma cabeça que saiba pensar, pois, na escola da vida, primeiro está saber estudar.

Contar todas as papoilas de um trigal é a mais linda conta que se pode fazer.
Dizer apenas música, quando se ouve um pássaro, pode ser a mais bela redacção do mundo…

estudar é muito...
mas pensar é tudo!


Ary dos Santos

Escrivaninha disse...

Tão adequado a um trabalho que eu estou a escrever!
Quem devo colocar nos agradecimentos do trabalho, se usar o poema?

Ninguém.pt disse...

José Carlos Ary dos Santos, claro!