quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Reino da Estupidez

Hoje, nas aulas, sobre o rotativismo, referi aquela deliciosa Farpa sobre os quatro partidos políticos. Antigamente lia-a nas aulas. Agora sei que ela é inacessível para a maior parte dos alunos, mas não desisto de falar dela, a propósito do rotativismo, da crítica e das pessoas que pensam Portugal (ou das pessoas que em Portugal pensam? Talvez seja a mesma coisa...)
Chegada a casa, dispus-me a ver um noticiário, para suprir a lacuna (grave, tenho consciência) de não ter ouvido ontem a comunicação ao país e de não conhecer, directamente da fonte, as medidas de austeridade que vou ter de sofrer.
Comecei, disciplinadamente, a ver o noticiário, com o respectivo destaque para o debate de hoje, transmitido, em directo pela ARtv.
Livre de decisões disciplinares, o meu espírito fugiu daqui, como quando era aluna, perante as aulas desinteressantes. De corpo sentado no sofá e olhos dirigidos para a televisão, rodei os dedos lestos pelo teclado em busca de uma referência que hoje me pareceu apelativa: O Reino da Estupidez de Jorge de Sena.
Apropriadamente num espaço chamado «o que faço eu aqui?» li um texto sobre o livro de Jorge de Sena e sobre a sua poesia, terminando nesta pérola:

"A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.


Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. ƒÉs cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não. "
 
O que custa é que só nos zangamos com as pessoas ou entidades para as quais temos planos, ou fé ou expectativas. Por isso tantos nos temos zangado com a Pátria!...

4 comentários:

josé luís disse...

pois no "expresso on-line" recolhi esta pérola:

«Não dá para trocar os mineiros chilenos pelo Governo português?
É uma sugestão.
À medida que os primeiros iam subindo na cápsula íamos enviando para baixo o Executivo. Primeiro o "Primeiro", depois o Ministro Silva Pereira, seguia-se aquele senhor das Obras públicas, o senhor Teixeira dos Santos e por aí fora. Um Governo "sombra" instalado na mina...»

(se o riso nos atenuasse a mágoa...)

josé luís disse...

e ainda sobre a pátria, também me (re)lembrei deste:

http://fabulasincompletas.blogspot.com/2010/04/fabulas-alheias-portugal-portugal-eu.html

Ninguém.pt disse...


Prefiro rosas, meu amor, à pátria


Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.


Ricardo Reis

Também prefiro as rosas... Porque concordo com Jorge de Sena e com Miss Escrivaninha: só nos magoa quem amamos. Os indiferentes, indiferentes nos deixam.

Escrivaninha disse...

Caríssimos:

Que magníficas contribuições em palavras para guardar!

Obrigada por continuarem por aqui.

Beijinhos (ainda sem o IVA aumentado)