terça-feira, 7 de setembro de 2010

Desmontando o Verão

Estou exactamente no mesmo sítio onde estava na semana passada, mas parece outro. Tudo mudou: tempos, ritmos, maneiras de vestir, o que comprar...

Na Praia da Rocha, hoje, pela tarde, a maré estava muito baixa, o que fazia parecer a praia maior e mais vazia. Havia muito menos guarda-sóis e o vento parecia empurrar o fim do Verão. Junto ao forte várias camionetas recolhiam os contentores e grades que delimitaram um espaço de som e movimento que ali esteve a funcionar. Estavam a desmontar o Verão. Mesmo. Eles tinham já cara de Inverno e o céu, com pena deles, começou a cobrir-se de nuvens.Parecia um quadro de cavalos feitos de algodão!

No hipermercado havia já pouca gente a passear displicentemente, com o bikini por baixo de roupas leves (como eu), a comprar um ou outro produto para frigoríficos provisórios. Havia muita gente com carros cheios de compras, a falar ao telemóvel sobre horas de ir buscar os miúdos e com o ar preocupado e zangado de quem está preso a uma rotina.

A secção do «regresso à escola» estava muito visitada. À minha frente, na fila, estava uma mocinha que comprou 9 cadernos A4 de capa dura e argolas - às bolinhas cor-de-rosa, igual à pasta de tiracolo - que, todos juntos, representavam bem mais do que o peso que ela deveria levar na mochila; ainda lhe vai acrescentar os livros! A mãe não parecia muito preocupada com a questão... Pediu a factura do material escolar numa conta separada, provavelmente para incluir nos impostos.

A noite caiu entretanto e cá fora há uma verdadeira fila de trânsito. Assusto-me com a hora de ponta de Portimão, mas afinal era o resultado de um acidente que envolveu um autocarro de turismo e 4 carros, que faziam com que o trânsito tivesse de circular devagar e fazendo uma gincana entre as duas faixas. Não me pareceu mais que chapa batida e vidros partidos...

De regresso «a casa», também eu sinto qualquer coisa de diferente. Não me apetece ver televisão hoje. Folheio o livro que comprei - estupidamente - no supermercado, cheio de conselhos do senso comum para viver uma vida saudável. Vida saudável estou eu a viver agora e vou ter de a arrumar na estante, juntamente com o livro (há um canto da minha estante que se pode comparar ao Inferno, por estar cheio de tão boas intenções: alberga os conselhos para vida saudável e os livros de culinária) dentro de poucos dias.

Vingo-me ainda hoje em deitar-me tarde, em sorver os sons do silêncio de um espaço de Verão quase deserto, saudavelmente refrescado pelo som da rega automática, que vai salpicando as tijoleiras junto à relva.

1 comentário:

Ninguém.pt disse...


O mar


Ondas que descansam no seu gesto nupcial
abrem-se caem
amorosamente sobre os próprios lábios
e a areia
ancas verdes violetas na violência viva
rumor do ilimite na gravidez da água
sussurros gritos minerais inércia magnífica
volúpia de agonia movimentos de amor
morte em cada onda sublevação inaugural
abre-se o corpo que ama na consciência nua
e o corpo é o instante nunca mais e sempre
ó seios e nuvens que na areia se despenham
ó vento anterior ao vento ó cabeças espumosas
ó silêncio sobre o estrépito de amorosas explosões
ó eternidade do mar ensimesmado unânime
em amor e desamor de anónimos amplexos
múltiplo e uno nas suas baixelas cintilantes
ó mar ó presença ondulada do infinito
ó retorno incessante da paixão frigidíssima
ó violenta indolência sempre longínqua sempre ausente
ó catedral profunda que desmoronando-se permanece!


António Ramos Rosa