domingo, 26 de setembro de 2010

Sons do Café

Alguém me enviou um daqueles lindos e longos powerpoints com ensinamentos para a vida. Qualquer coisa entre o bonito, o piroso e o inútil, a dizer que somos nós que fazemos o nosso destino e que perante as adversidades devemos fazer como o café que, quando enfrenta a água fervente, a transforma numa mistura saborosa e calorosa...

Enquanto via o powerpoint e avaliava a boa intenção de quem mo enviou, estando um bocadinho enfastiada, viajei até ao tempo em que o café, para mim, não era um líquido, mas um som.

Uma das minhas formas preferidas de ouvir as saudades que a minha mãe tinha do meu pai, contadas e recontadas, vezes sem conta, era quando ela tirava cuidadosamente os discos da discoteca e se deliciava com o som de cenas passadas entre eles.

Eles gostavam muito de dançar e eu quase considerava a minha mãe feliz quando ouvia «Moliendo café».

Fui então à procura desse som de domingo em família, agitando com as maracas a tristeza e a saudade reinante naquela casa, recordando cenas alegres e ruidosas, de bailes e namoros requebrados.



E, embora tenha encontrado muitas versões, esta, com o som roufenho dos discos antigos e o «grão» da gravação, foi a que melhor ilustrou os grãos de memória que foram remoídos hoje, por causa de um powerpoint que visava ensinar-me a viver de forma sempre construtiva.

2 comentários:

Ninguém.pt disse...

Objectos, odores, músicas, paisagens e sabores — a nossa selectiva memória se encarrega de catalogar as nossas recordações e de apensar a cada uma delas o que nos fez querer guardá-la, mas também o que mais facilmente nos poderá levar a perpetuá-la e o que nela sublimaremos até se tornar tão irreal que só exista nos nossos sentimentos.


Saudade


Saudade - O que será... não sei... procurei sabê-lo
em dicionários antigos e poeirentos
e noutros livros onde não achei o sentido
desta doce palavra de perfis ambíguos.

Dizem que azuis são as montanhas como ela,
que nela se obscurecem os amores longínquos,
e um bom e nobre amigo meu (e das estrelas)
a nomeia num tremor de cabelos e mãos.

Hoje em Eça de Queiroz sem cuidar a descubro,
seu segredo se evade, sua doçura me obceca
como uma mariposa de estranho e fino corpo
sempre longe — tão longe! — de minhas redes tranquilas.

Saudade... Oiça, vizinho, sabe o significado
desta palavra branca que se evade como um peixe?
Não... e me treme na boca seu tremor delicado...
Saudade...


Pablo Neruda

Escrivaninha disse...

Saudade é uma palavra branca que se evade como um peixe?...

Gosto. Gosto muito!