Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
Os romeiros sobem a ladeira cheia de espinhos, cheia de pedras, sobem a ladeira que leva a Deus e vão deixando culpas no caminho.
Os sinos tocam, chamam os romeiros: Vinde lavar os vossos pecados. Já estamos puros, sino, obrigados, mas trazemos flores, prendas e rezas.
No alto do morro chega a procissão. Um leproso de opa empunha o estandarte. As coxas das romeiras brincam no vento. Os homens cantam, cantam sem parar.
Jesus no lenho expira magoado. Faz tanto calor, há tanta algazarra. Nos olhos do santo há sangue que escorre. Ninguém não percebe, o dia é de festa.
No adro da igreja há pinga, café, imagens, fenómenos, baralhos, cigarros e um sol imenso que lambuza de ouro o pó das feridas e o pó das muletas.
Meu Bom Jesus que tudo podeis, humildemente te peço uma graça. Sarai-me Senhor, e não desta lepra, do amor que eu tenho e que ninguém me tem.
Senhor, meu amo, dai-me dinheiro, muito dinheiro para eu comprar aquilo que é caro mas é gostoso e na minha terra ninguém não possui.
Jesus meu Deus pregado na cruz, me dá coragem pra eu matar um que me amola de dia e de noite e diz gracinhas à minha mulher.
Jesus Jesus piedade de mim. Ladrão eu sou mas não sou ruim não. Por que me perseguem não posso dizer. Não quero ser preso, Jesus ó meu santo.
Os romeiros pedem com os olhos, pedem com a boca, pedem com as mãos. Jesus já cansado de tanto pedido dorme sonhando com outra humanidade.
Ah, poder ser tu, sendo eu! Ei-lo que avança De costas resguardadas pela minha esperança. Não sei quem é. Leva consigo, Além de sob o braço o jornal, A sedução de ser, seja quem for, Aquele que não sou. E vai não sei onde Visitar não sei quem Sinto saudades de alguém Lido ou sonhado por mim Em sítios onde nunca estive.
Ruy Belo
Uma sono de romeira cansada, mas sonhando com cumes acima do algodão das nuvens.
3 comentários:
Calculo que não terá sido tão cristã, a sua romaria, Miss, mas lá está a palavra-despertador para me recordar este belíssimo retrato:
Romaria
A Milton Campos
Os romeiros sobem a ladeira
cheia de espinhos, cheia de pedras,
sobem a ladeira que leva a Deus
e vão deixando culpas no caminho.
Os sinos tocam, chamam os romeiros:
Vinde lavar os vossos pecados.
Já estamos puros, sino, obrigados,
mas trazemos flores, prendas e rezas.
No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam no vento.
Os homens cantam, cantam sem parar.
Jesus no lenho expira magoado.
Faz tanto calor, há tanta algazarra.
Nos olhos do santo há sangue que escorre.
Ninguém não percebe, o dia é de festa.
No adro da igreja há pinga, café,
imagens, fenómenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
o pó das feridas e o pó das muletas.
Meu Bom Jesus que tudo podeis,
humildemente te peço uma graça.
Sarai-me Senhor, e não desta lepra,
do amor que eu tenho e que ninguém me tem.
Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,
muito dinheiro para eu comprar
aquilo que é caro mas é gostoso
e na minha terra ninguém não possui.
Jesus meu Deus pregado na cruz,
me dá coragem pra eu matar
um que me amola de dia e de noite
e diz gracinhas à minha mulher.
Jesus Jesus piedade de mim.
Ladrão eu sou mas não sou ruim não.
Por que me perseguem não posso dizer.
Não quero ser preso, Jesus ó meu santo.
Os romeiros pedem com os olhos,
pedem com a boca, pedem com as mãos.
Jesus já cansado de tanto pedido
dorme sonhando com outra humanidade.
Carlos Drummond de Andrade
"(...)
Me disseram, porém,
que eu viesse aqui
pra pedir de romaria e prece
paz nos desaventos
como eu não rezar
só queria mostrar
meu olhar
meu olhar
meu olhar
(...)" Elis Regina
Muito obrigado por mais esta romaria...
Poema
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ei-lo que avança
De costas resguardadas pela minha esperança.
Não sei quem é. Leva consigo,
Além de sob o braço o jornal,
A sedução de ser, seja quem for,
Aquele que não sou.
E vai não sei onde
Visitar não sei quem
Sinto saudades de alguém
Lido ou sonhado por mim
Em sítios onde nunca estive.
Ruy Belo
Uma sono de romeira cansada, mas sonhando com cumes acima do algodão das nuvens.
Enviar um comentário