Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois factos existe um facto, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir — nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
Clarice Lispector
Quebremos o silêncio, nem que seja com voos de moscardo...
Eu prefiro sempre o doirado do sol das palavras ou mesmo as suas tempestades, que vão enchendo o cofre virtual onde as vou guardando e enriquecendo o meu léxico e a minha vida.
Não tenho mais palavras. Gastei-as a negar-te... (Só a negar-te eu pude combater O terror de te ver Em toda a parte). Fosse qual fosse o chão da caminhada, Era certa a meu lado A divina presença impertinente, Do teu vulto calado, E paciente... E lutei, como luta um solitário Quando, alguém lhe perturba a solidão Fechado num ouriço de recusas, Soltei a voz, arma que tu não usas, Sempre silencioso na agressão. Mas o tempo moeu na sua mó O joio amargo do que te dizia... Agora somos dois obstinados, Mudos e malogrados, Que apenas vão a par na teimosia.
Miguel Torga
(Longe de mim comparar-me a algo em que não acredito, mas o que menos desejo é ser um dos «dois obstinados, mudos e malogrados»...)
3 comentários:
Dá-me a tua mão
Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois factos existe um facto,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
— nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
Clarice Lispector
Quebremos o silêncio, nem que seja com voos de moscardo...
Há quem diga que o silêncio é de ouro...
Eu prefiro sempre o doirado do sol das palavras ou mesmo as suas tempestades, que vão enchendo o cofre virtual onde as vou guardando e enriquecendo o meu léxico e a minha vida.
Saudemos pois o regresso das palavras!
Desfecho
Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda a parte).
Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente,
Do teu vulto calado,
E paciente...
E lutei, como luta um solitário
Quando, alguém lhe perturba a solidão
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silencioso na agressão.
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.
Miguel Torga
(Longe de mim comparar-me a algo em que não acredito, mas o que menos desejo é ser um dos «dois obstinados, mudos e malogrados»...)
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