quinta-feira, 12 de agosto de 2010

José Luis Peixoto

Nunca li nada do José Luis Peixoto.

Confesso que é uma personagem que me intriga, pois acho que ele tem ar de ser uma pessoa muito inteligente, mas repugna-me um bocado aquilo de ele ter muitos piercings...Creio que será apenas uma questão geracional e tinha já pensado que gostaria de experimentar encontrar-me uma vez com a escrita dele. Nada de muito urgente...algo no meio da lista que tenho encimada por "um dia..."

Hoje tive um bocadinho para mim, daqueles que se gozam a sós numa esplanada, explorando um jornal ou uma revista.

Prefiro a Visão, mas sei que a minha irmã a comprou hoje de manhã e sempre se poupa dinheiro e se amplia a leitura se eu comprar a Sábado. Assim fiz.

Desinteressantezinha, que ela está...Parece que esperam que fiquemos todos idiotas no Verão, ou que a leitura seja uma coisa só de Inverno!

Entre o folhear entediado, encontro um artigo - ao estilo referido: Um Inquérito a Figuras Públicas Variadas sobre o que fariam se estivessem no seu último dia de Governo. Uma das figuras públicas era, precisamente, o José Luis Peixoto, que se destacou - no meio das patacoadas dos outros - com este texto:

"Seria Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social. Legislaria no sentido da existência de uma proximidade física, ou mesmo de uma partilha de espaço, entre os lares da terceira idade e os infantários. Os mais novos teriam oportunidade de usufruir da experiência dos mais velhos e estes ganhariam com o optimismo e entusiasmo das crianças. Esta medida iria salvaguardar o passado e contribuir para um futuro mais consciente e sensato. A comunicação entre gerações é essencial para um desenvolvimento coeso da sociedade."

Pás! Assim: uma bofetada de luva branca em todos os que - imbuídos do silly da season - brincaram com a questão.

Lindo! Quase me poderia apaixonar por ele! Mas...aquilo dos piercings ia ser um bocado inibitório...

Mas vou comprar um livro dele e, se puder, autografado.

15 comentários:

Ninguém.pt disse...

Bem, assim de repente, até fiquei meio confuso (ou mais de meio, que essa é a bitola habitual...).

A Miss concorda com a proposta do Peixoto?

Pois eu não. Se tivesse que referir-me ao assunto, talvez dissesse algo como isto:

«Se fosse Ministro, implementaria medidas que levassem as famílias a manter integrados os idosos nos seus próprios lares, a repartir com eles os afectos de toda a família e dos amigos, principalmente os das crianças.

Tudo faria para que os idosos pudessem, de forma organizada e séria, continuar a ser úteis à sociedade, transmitindo os seus conhecimentos e experiências, que seriam devidamente registados e catalogados como capítulos da imensa enciclopédia da vida.

Tudo faria para que a palavra "velho" voltasse a ser o elogio que já foi, sinónimo de "ponderado", de "experiente", de "sábio" — e tentaria que os lábios dos jovens a dissessem com a doçura que lhe é devida.»


Idealismo? Certamente! Mas se até a sonhar somos racionais, ficamos nos limites "do possível", quando avançará o mundo, quando será ele a tal "bola colorida entre as mãos de uma criança"?

Escrivaninha disse...

Ah, Mestre! Espero que não use piercings!

(Em relação ao rapaz, continuo a gostar da ideia dele, de falar de alguma coisa séria, entre outros que só desfiaram baboseiras...Eu penso mesmo que se espera que não pensemos no Verão...)

Ninguém.pt disse...

Tudo bem, Miss, tem todo o direito a gostar de todas as ideias que lhe aprouver.

Mas o que ele propõe é, grosso modo, generosamente, mais contacto entre prisioneiros de diferentes cadeias...

Mas deixe para lá, isto acaba por passar. É resultado de ter passado os últimos seis ou sete anos a ver velhos enclausurados, a quem é retirada a liberdade, a privacidade e a dignidade — as três -dades a que dou o valor que distingue uma vida de um vegetar.

Quanto aos piercings, não os uso, mas que diferença faria isso, não me diz?

Escrivaninha disse...

Ai! Está tão mal-disposto! Calma!

Talvez ele fale de «prisioneiros de diferentes cadeias», sim, mas a realidade da sociedade em que vivemos «arruma-nos» em diferentes cadeias. Ele já faz parte de uma sociedade que não conviveu com os avós, de quem os pais trabalharam a todo o vapor «para lhe dar tudo» menos tempo (estou a reportar-me a uma conversa que tive com alunos, quase todos filhos únicos), para quem o «tempo de qualidade» é um penso rápido colorido, administrado, de vez em quando, nas feridas das relações familiares.

Considero que a minha foi a última geração que beneficiou de brincar na rua e ter o carinho e o acompanhamento dos avós. O Peixoto nasceu em 1974, já deve ter apanhado uns pais dedicados à carreira e um tempo familiar relegado para as festas-família e comemorações cíclicas.

Estou a especular, claro, não conheço o rapaz de lugar nenhum...

Mas a realidade da vida moderna encerra-nos em células apropriadas às nossas idades de vida, com obrigações e horários para cumprir. Não quer dizer que eu goste desta realidade, mas não me parece que vamos voltar ao tempo familiar. Por acaso acho mesmo que a única solução será criar espaços de convívio entre células, para que um dia, quando uma criança deparar com um velho, não estenda o dedo e diga «ET phone home».

Lamento não ser mais optimista, mas vejo pessoas a ser engolidas pela vida todos os dias e já poucos se revoltam.

Ninguém.pt disse...

Miss, não estou maldisposto, estou "apenas" a tentar não alinhar na "normalidade" de que fala.

Se calhar por estar mais próximo do dia em que irão enclausurar, sei lá... A si ainda faltam muitos anos, verá tudo bem distante.

Mas, deixe que lhe pergunte: se não levantarmos a nossa voz por ver pessoas a ser engolidas todos os dias, quem o fará?

Não desejo ser mais um conformado, não foi por isso que lutei, não foi por isso que abdiquei de muita coisa, não foi nem é esse o meu sonho.

Mas, mais importante, não foi por isso que lutaram muitos que caíram, sob bandeiras ou livres de tutelas, mas com um único horizonte — um amanhã melhor.

(Não fique ofendida comigo, longe de mim querer deixá-la maldisposta, acredite!)

Ninguém.pt disse...

Faria hoje 103 anos, Adolfo Coelho da Rocha, um Homem que merece nunca ser esquecido.

O poeta que foi também envelheceu:

Frustração

Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.


Miguel Torga

(Deuses desleais... não só quanto às paixões tardias, mas também quanto à vida e à morte.)

Escrivaninha disse...

Claro que não fico ofendida; muito pelo contrário: eu preciso de pessoas como o Mestre!

Ando numa fase da vida um bocado desmotivada: sinto o mundo pelo e para o qual trabalhava a ruir, sinto-me muito sozinha nas minhas convicções e depois, sabe como é, quando todos pensam de maneira contrária (ou não pensam tanto sobre o mesmo que nós) começamos a duvidar das nossas razões e a ceder...

Como já lhe tenho dito, vivi o 25 de Abril antes de ter consciência política e aqueles que foram «os meus olhos para ver a revolução» já cá não estão. E eu às vezes esqueço-me, mas agradeço sempre a quem me lembra - seja pelo entusiasmo da juventude seja pela experiência de vida.

Às vezes acho que estou «no meio» de alguma coisa...só não sei ainda o quê. Sinto que estou numa fase de repensar, de reordenar...talvez de crescer...não sei...

É capaz de não ser justo dizer assim as coisas, pela metade...mas, é como me sinto.

Quanto às «paixões tardias», considero essa expressão um pouco paradoxal: se a pessoa tem a capacidade de sentir paixão, nunca será tarde demais. As paixões não têm a ver com a idade, mas com a maturidade que temos para as viver (a capacidade que temos de lutar por alguma coisa). E isso...não se define pela idade cronológica, nem por nada que esteja inscrito no BI. Suspeito que tem a ver com o tal «Sentimento de Si», mas ainda não tive tempo para explorar o que o Damásio me poderá ensinar sobre isso.

Obrigada, Mestre, por me obrigar a pensar sempre mais um bocadinho.

Ninguém.pt disse...

A minha mãe tinha uma frase que condensava em si uma história que raramente contava. Usava a frase em várias situações, com aquela filosofia dos velhos (sábios velhos) iletrados mas possuidores de uma experiência que compensa a falta de leituras.

(A Escrivaninha já falou aqui da sua avó, com peças filosóficas idênticas...)

A frase era: "Agarra-te às estevas, mãos-de-aranha!"

Como deve saber (embora seja bichinho de betão, como diria o Tê...), as estevas nascem nas ribanceiras mas são plantas sem grande resistência individual, não aguentam o peso de um corpo. Quando chamavam a atenção para a contradição, a minha mãe sempre respondia algo assim: "Uma não pode contigo, mas se te agarrares a um molho conseguirás travar a queda e até subir a ribanceira."

Atirava-nos com a frase em situações em que não víamos nem uma luzinha ao fundo do túnel — túnel que ela percorreu a vida inteira sem ver luz, escravizada pela vida e pelas metas que traçou e que felizmente viveu para sentir que tinha ultrapassado.

Miss, usando o direito de herança, oiça este conselho: "Agarra-te às estevas, mãos-de-aranha!"

Pelas pistas que vai deixando por aqui, pode concluir-se que a Miss é jovem, bonita, culta, empregada, com amigos, com projectos profissionais em curso e com ambições — junte esteva a esteva e faça um molhinho que a ajude a chegar ao topo!

Ah, importante!, certamente não serei a única mão amiga que se estenderá para o último impulso — mas pelo menos essa terá sempre.

Beijito.

Ninguém.pt disse...


Das utopias


Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!


Mário Quintana

Escrivaninha disse...

Ai...Como é que se responde a um texto tão lindo e tão «grande»? Qualquer coisa que eu diga ficará aquém do que quero e devo dizer...

Primeiro que tudo muito, muito obrigada pela sua amizade, disponibilidade e dedicação. E pelo conselho, que seguirei certamente.Aliás, acho que venho seguindo, há muito tempo; é muito a minha filosofia de vida (quando não me esqueço...)

Cumpre-me esclarecer que me considero uma pessoa muito afortunada, pelas razões que enumerou por aí, sobretudo pelo facto de ter bons amigos, muito dedicados, a quem eu designo por «suportes de vida».

O momentro que vivo, actualmente, não é mau...só é estranho. Inquietante, será talvez a palavra certa (com o sentido em que os nossos irmãos brasileiros dizem «instigante»)

«Instigante» no sentido em que me impele a tomar decisões, a mudar...E isso só pode ser bom, porque prova que estou a reagir - com garra e com fé, espero - às mudanças e desilusões nas quais muitos vamos navegando.

O blogue - e tudo o que este projecto me tem trazido - têm sido uma ajuda muito grande. Sentir-me lida, comentada e ajudada por conhecidos e desconhecidos; descobrir novas formas de comunicação e de fazer amigos e ter um espaço onde posso dar largas à indignação, à imaginação, ao palavreado que por vezes não posso expandir «ao vivo e a cores» pelas mais diversas razões.

Escrever já era uma necessidade, agora tornou-se definitivamente um hábito e um prazer: um hábito prazeroso.

Não consigo «dizer» mais nada. Fiquei muito emocionada com o seu comentário.

Bem-haja|

Ninguém.pt disse...

nada

nada tão comum
que não possa chamá-lo
meu

nada tão meu
que não possa dizê-lo
nosso

nada tão mole
que não possa dizê-lo
osso

nada tão duro
que não possa dizer
posso


Paulo Leminski

Escrivaninha disse...

Obrigada por (mais) estes brasileiros «instigantes».

Quero ainda esclarecer que entre os bons amigos estão também os da família, que eu me esqueço de dizer, porque ser família não é mérito, ser amigo é que é. Tenho também a sorte de ter vários familiares que decidiram também ser meus amigos; alguns que são os meus suportes de vida desde que me conheço por gente.

Pensando agora na nossa história, na minha família temos tido muitos momentos em que fomos molhinhos de estevas, sim.

Eu sou mesmo uma pessoa afortunada! (se os comentários tivessem etiqueta, este estaria, claro, nas «Partículas de Felicidade»).

Ninguém.pt disse...

Concordo com a Miss (uau!, pràí a quinta vez, não?): família é herança irrecusável, amigo é fortuna incalculável.

Quero ser teu amigo

Quero ser teu amigo
Nem demais e nem de menos
Nem tão longe e nem tão perto
Na medida mais precisa que eu puder
Mas amar-te como próximo, sem medida,
E ficar sempre em tua vida
Da maneira mais discreta que eu souber
Sem tirar-te a liberdade
Sem jamais te sufocar
Sem forçar a tua vontade
Sem falar quando for hora de calar
E sem calar quando for hora de falar
Nem ausente nem presente por demais,
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo,
Mas confesso,
É tão difícil aprender,
Por isso, eu te peço paciência
Vou encher este teu rosto
De alegrias, lembranças!
Espero conseguir acertar nossas distâncias


Fernando Pessoa

Escrivaninha disse...

Se bem que no nosso caso são as distâncias que nos aproximam :-)

Boa noite Amigo Mestre

Beijito

Ninguém.pt disse...

Portanto, as nossas distâncias estão acertadas, é isso?

Sono calmo e sonhinhos refrescantes...

Beijito.