“Ao refrescar, quando montávamos a cavalo, uma tribo de beduínos, descendo das colinas de Galgalá, trouxe os seus rebanhos de camelos a beber no Jordão; as crias brancas e felpudas corriam, balando; os pastores, de lança alta, soltando gritos de batalha, galopavam num amplo esvoaçar de albornozes; e era como se ressurgisse em todo o vale, no esplendor da tarde, uma pastoral da idade bíblica, quando Agar era moça!
Teso na cela, com as rédeas bem colhidas, eu senti um curto arrepio de heroísmo; ambicionava uma espada, uma lei, um deus por quem combater…” Eça de Queiroz, A Relíquia
De repente dou-me conta que todos os livros que trouxe para me acompanharem nestas férias são livros de viagem: A Lua Pode Esperar, de Gonçalo Cadilhe, A Relíquia, de Eça de Queiroz e O Sentimento de Si, de António Damásio.
Em casa leio A Relíquia, deleitando-me com os pormenores das descrições queirosianas e escandalizando-me com a hipocrisia de Teodorico, ao mesmo tempo que vou descobrindo semelhanças com um país rural, religiosamente servil e bafiento, que ainda conheci «na terra», onde passava os Verões. Nos passeios, pontuados por estadias refrescantes em cafés, leio o Cadilhe, procurando imaginar as paisagens que ele descreve e identificando-me com o seu espírito livre e solitário.
O Damásio está ali; a olhar para mim, perfilado na estante. «É grande demais para ler fora de casa», argumento, mas a verdade é que a viagem interior ao sentimento de mim, que espero descobrir naquele livro, me assusta um pouco. De todas as viagens, as mais assustadoras são as interiores. Mas há momentos em que «navegar é preciso». Talvez também eu descubra – ou encare, por fim - «uma espada, uma lei, um deus por quem combater…»
1 comentário:
Dá gosto enganar tias como apela Titi, não acha, Miss?
Estão mesmo a pedi-las!
Quanto à sua última frase, espero bem que descubra «uma espada, uma lei, um deus» por quem viver...
Combater é coisa um pouco suja, encarniçada e proveniente de maus fígados — coisa que a Miss notoriamente não possui, ao contrário de certos amigos virtuais...
Relíquia íntima
Ilustríssimo, caro e velho amigo,
Saberás que, por um motivo urgente,
Na quinta-feira, nove do corrente,
Preciso muito de falar contigo.
E aproveitando o portador te digo,
Que nessa ocasião terás presente,
A esperada gravura de patente
Em que o Dante regressa do Inimigo.
Manda-me pois dizer pelo bombeiro
Se às três e meia te acharás postado
Junto à porta do Garnier livreiro:
Senão, escolhe outro lugar azado;
Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
E continua a crer no teu Machado.
Machado de Assis
(Não havia e-mail, naqueles tempos...)
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