segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Livros

Hoje tive uma aula de substituição. Os alunos eram poucos e já fomos apresentados na aula de História. Organizámo-nos para ir avançando num trabalho e aproveitar a hora. Todos menos um, que tinha um livro muito grande e manifestava esperança de continuar a lê-lo. Não deixei, mas conversámos a hora toda sobre livros e géneros literários. Escolhera aquele livro por ser um misto de história e ficção, por ser de um autor português jovem e por lhe permitir relacionar com História e Língua Portuguesa, nas matérias que iria abordar este ano.

Foi uma hora muito feliz da minha vida, depois de me terem dito que os meus alunos iriam deixar de ler livros em suporte de papel e aderir ao Kindle em força, "porque sim, isso é que os cativava".

"O vírus do amor ao livro é incurável, e eu procuro inocular esse vírus no maior número possível de pessoas."
JOSÉ MINDLIN - Bibliófilo e escritor brasileiro (citação colhida em Releituras)

6 comentários:

Ninguém.pt disse...

A Miss sabe o risco que está correndo?

Pode ser acusada de disseminar vírus, de incitar crianças a aprender a pensar, de as instigar a usar essa insidiosa heresia da leitura...

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa

Tente dizer isto com "Kindle" em vez de livro...

Escrivaninha disse...

E é que posso mesmo!...Mas,vale tanto a pena!

Ninguém.pt disse...

Educar

Educar es lo mismo
que poner un motor a una barca,
hay que medir, pensar, equilibrar,
y poner todo en marcha.

Pero para eso,
uno tiene que llevar en el alma
un poco de marino,
un poco de pirata,
un poco de poeta,
y un kilo y medio de paciencia concentrada.

Pero es consolador soñar,
mientras uno trabaja,
que esa barca, ese niño
irá muy lejos por el agua.

Soñar que ese navío
llevará nuestra carga de palabras
hacia puertos distantes, hacia islas lejanas.

Soñar que cuando un día
esté durmiendo nuestro propio barco,
en barcos nuevos seguirá nuestra bandera enarbolada.


Gabriel Celaya

(Sei que gosta mais de molho de tomate do que de molho à espanhola, mas acho que este poema diz muitas e importantes coisas.)

Escrivaninha disse...

No ano passado estive na Catalunha, em casa de um «nativo», que se empenhou em explicar-me muitas coisas da Catalunha e me desvendou uma Espanha múltipla que eu ignorava.

Por aqui têm passado - por sua mão, na maioria - muitas provas de que não há razões para se tomarem as pessoas pela sua nacionalidade, negando-lhes o cunho universal que muitos praticam.

Quando reconheço que não há razões para persistir num erro, orgulho-me de saber mudar.

Para provar isso, fui à procura de dados biográficos do poeta que, depois de me ter emocionado com as suas palavras estrangeiras, merecia ser conhecido no seu idioma. Como prova da minha mudança, aqui cito o poeta, lido e compreendido em palavras diferentes das minhas nos sons, mas idênticas nos sonhos: "Cantemos como quien respira. Hablemos de lo que cada día nos ocupa. Nada de lo humano debe quedar fuera de nuestra obra En el poema debe haber barro, con perdón de los poetas poetísimos. La Poesía no es un fin en sí. La Poesía es un instrumento, entre otros, para transformar el mundo"

Gabriel Celaya, citado por Rodríguez Puértolas et. al en Historia social de la literatura española)

Obrigada Mestre, por persistir!

Ninguém.pt disse...

Bem-vinda, Mestra! A poesia não é um fim em si, nem se fina em nós...

E quando se fala em poesia, cheira-me sempre a mato e penedias...

Aos poetas

Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.

Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.

E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.

Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.

Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão.


Miguel Torga

Escrivaninha disse...

Salvo Seja!