Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
domingo, 27 de setembro de 2009
A luz do entardecer
incidindo sobre os rendilhados de pedra do Mosteiro da Batalha.
Álvaro Góis, Rui Mamede, filhos de António Brandão, naturais de Catanhede, pedreiros de profissão, de sombrias cataduras como bisontes lendários, modelam ternas figuras na lentidão dos calcários.
Ali, no esconso recanto, só o túmulo, e mais nada, suspenso no roxo pranto de uma fresta geminada. Mas no silêncio da nave, como um cinzel que batuca, soa sempre um truca...truca... lento, pausado, suave, truca, truca, truca, truca, sob a abóbada romântica, como um cinzel que batuca numa insistência satânica: truca, truca, truca, truca, truca, truca, truca, truca.
Álvaro Góis, Rui Mamede, filhos de António Brandão, naturais de Cantanhede, ambos vivos ali estão, truca, truca, truca, truca, vestidos de surrobeco e acocorados no chão, truca, truca, truca, truca.
No friso, largo de um palmo, que dá volta a toda a arca, um cristo, de gesto calmo, assiste ao chegar da barca. Homens de vária feição, barrigudos e contentes, mostram, no riso dos dentes o gozo da salvação. Anjinhos de longas vestes, e cabelo aos caracóis, tocam pífaro celestes, entre cometas e sóis. Mulheres e homens, sem paz, esgaseados de remorsos, desistem de fazer esforços, entregam-se a Satanás.
Fixando a pedra, mirando-a, quanto mais o olhar se educa, mais se estende o truca...truca... que enche a nave, transbordando-a, truca, truca, truca, truca truca, truca, truca, truca.
No desmedido caixão, grande senhor ali jaz. Pupilo de Satanás? Alma pura, de eleição? Dom Afonso ou Dom João? Para o caso tanto faz.
1 comentário:
Poema da pedra lioz
Álvaro Góis,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Catanhede,
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na lentidão dos calcários.
Ali, no esconso recanto,
só o túmulo, e mais nada,
suspenso no roxo pranto
de uma fresta geminada.
Mas no silêncio da nave,
como um cinzel que batuca,
soa sempre um truca...truca...
lento, pausado, suave,
truca, truca, truca, truca,
sob a abóbada romântica,
como um cinzel que batuca
numa insistência satânica:
truca, truca, truca, truca,
truca, truca, truca, truca.
Álvaro Góis,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
ambos vivos ali estão,
truca, truca, truca, truca,
vestidos de surrobeco
e acocorados no chão,
truca, truca, truca, truca.
No friso, largo de um palmo,
que dá volta a toda a arca,
um cristo, de gesto calmo,
assiste ao chegar da barca.
Homens de vária feição,
barrigudos e contentes,
mostram, no riso dos dentes
o gozo da salvação.
Anjinhos de longas vestes,
e cabelo aos caracóis,
tocam pífaro celestes,
entre cometas e sóis.
Mulheres e homens, sem paz,
esgaseados de remorsos,
desistem de fazer esforços,
entregam-se a Satanás.
Fixando a pedra, mirando-a,
quanto mais o olhar se educa,
mais se estende o truca...truca...
que enche a nave, transbordando-a,
truca, truca, truca, truca
truca, truca, truca, truca.
No desmedido caixão,
grande senhor ali jaz.
Pupilo de Satanás?
Alma pura, de eleição?
Dom Afonso ou Dom João?
Para o caso tanto faz.
António Gedeão
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