Sentei-me aqui para exorcizar o escândalo sentido perante o anúncio - spot publicitário, penso - que incita à prática cívica e democrática de exercer o direito e dever de voto nas próximas eleições.
O acto de votar - escolher - é equiparado a um corte de cabelo!
Pensei mais ou menos no que ia escrever e tudo aquilo começou a fazer sentido. Um triste sentido, diga-se; mas sentido.
Recordei-me então que um dos programas diários, de horário nobre, com uma vasta audiência (não sei se não será líder de audiências) é um concurso da SIC. Até aqui nada de grave. Lembro-me como aprendi e aprendo coisas importantes em concursos, daqueles que conseguem aliar entretenimento com cultura geral ou provas de talento. Todos nos recordaremos da Cornélia, do Um, Dois, Três, do Pátio da Fama, etc. Mas então é preciso especificar que, no presente «líder de audiências», os concorrentes se vestem de supositório (pronto, eu sei que não é, mas é o que dá ideia) e toda a sua habilidade, destreza e talento, consiste em tentar encaixar-se nas formas abertas numa parede de esferovite. Caso contrário caem à água. É isto que ocupa grande parte do país, nas noites de todos os dias.
Dizem-me tios, pais e avós, que as suas crianças adoram Marco Horácio e que até brincam ao «Soltem a Parede!». Fico feliz que isso aconteça, mas entristece-me que a idade mental para que se prepara um programa diário, seja os 3 anos da neta do Sr. Joaquim, que diz com muita graça: Avô, olha: Soltem a paede!
Depois desta reflexão o anúncio passou a fazer sentido.
Para esta idade mental de grande parte dos portugueses - reparem que eu recuso estoicamente dizer a maioria - qualquer apelo a deveres democráticos ou imperativos de cidadania seria desadequado, mas o pânico por ter um corte de cabelo indesejado durante 4 anos, poderá ser suficientemente motivador para conduzir os portugueses às urnas. Por assim perceberem a necessidade do voto como algo também seu; tão importante como um corte de cabelo, com o qual nos apresentamos perante os outros, e nós próprios, ao espelho, diariamente. Portanto, algo importante. Algo cuja escolha não podemos entregar a outros.
Eu sei, eu sei: temos de descer às bases para que elas nos percebam, para que o discurso seja apreendido por todos. Seria pedir muito, procurar, (talvez...), educar as bases para que as estátuas não estivessem tão longe dos pedestais? Ou será que convém mantê-las onde estão, e felizes, porque uma leitura esclarecida das características da estatuária poderia pôr em perigo a admiração das obras de arte apostas em praças públicas?
Pode ser...Posso estar a exagerar...dizem-me, alguns, que tenho tendência para isso...e eu até acredito.
Ou não...
" (...)
vi engrossar de boys a lista,
vi saltitar mais do que esquilo,
de galho em galho ser artista,
e armar o estado em crocodilo.
voracidade? era do estilo.
economia? ai que arrefece!
vi Portugal vendido ao quilo
e o povo tem o que merece.
(...)
senhor, na entrada deste asilo,
mordeu-se a isca da benesse
e o povo tem o que merece."
Vasco Graça Moura, Balada do Bom Cavaquista
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