Já não posso ouvir a conversa - repetida todos os anos - da forma como se devem enquadrar as crianças na escola, por causa dos traumas.
Mais quais traumas? Com traumas ficam eles de tão protegidos e tão enfaixados em actividades e vigilâncias que não têm autonomia nem para comprar um chupa-chupa. Ou, quando têm, fazem asneira...porque coitadinhos eram imaturos.
Oh, pá! Eu sei que eu não podia falar assim, sendo professora e tal, mas - caramba - não era bom andar na escola?
Era, digo eu, que quem devia estar traumatizada era eu, que entrei para lá aos 6 anos e ainda não saí!
Mas, sabem que mais? Todos os anos, nestas vésperas de regresso à escola, sinto um formigueiro, uma excitação por aquilo que vou encontrar...um entusiasmo, é isso mesmo, um entusiasmo, que não me parece nada traumático.
E, invariavelmente, no 1º dia de escola, dou comigo a trautear a canção que, para mim, simboliza a escola
E com um búzio nos olhos claros
Vinham do cais, da outra margem
Vinham do campo e da cidade
Qual a canção? Qual a viagem?
Vinham p’rá escola. Que desejavam?
De face suja, iluminada?
Traziam sonhos e pesadelos.
Eram a noite e a madrugada.
Vinham sozinhos com o seu destino.
Ali chegavam. Ali estavam.
Eram já velhos? Eram meninos?
Vinham p’rá escola. O que esperavam?
Vinham de longe. Vinham sozinhos.
Lá da planície. Lá da cidade.
Das casas pobres. Dos bairros tristes.
Vinham p’rá escola: a novidade.
E com uma estrela na mão direita
E os olhos grandes e voz macia
Ali chegaram para aprender
O sonho a vida a poesia.
Outra Margem, Poema de Maria Rosa Colaço, musicado por Trovante no álbum Baile no Bosque, 1981
Mas vai sendo cada vez mais difícil cantar esta canção...
Amanhã ainda vou tentar!
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