Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
Algumas pessoas pensam que para ser pastor basta encostar-se ao cajado
A minha mãe enunciava muitas vezes estes versos! Já me tinha esquecido... Como a sua referência, num outro comentário, ao Casimiro, personagem das palavras de Sérgio Godinho, de quem também não me recoradava; e havia também uma Etelvina... (Isto hoje está a sair-me mais ao género «RTP Memória»)
Etelvina com seis meses já se tinha de pé Foi deixada num cinema depois da matinée Com um recado na lapela que dizia assim «Quem tomar conta de mim, quem tomar conta de mim Saiba que fui vacinada, Saiba que sou malcriada.»
Etelvina com dezasseis anos já conhecia Todos os reformatórios da terra onde vivia Entregaram-na a uma velha que ralhava assim «Ai menina sem juízo nem mereces um sorriso Vais acabar num bueiro sem futuro nem dinheiro.»
"Eu durmo sozinha à noite Vou dormir à beira rio à noite, à noite Acocorada com o rio à noite, à noite"
Etelvina era da rua como outros são do campo Sua cama era um caixote sem paredes nem tampo Sua janela uma ponte que dizia assim: «Dentro das minhas cidades já não sei quem é ladrão Se um que anda fora de grades se outro que está na prisão.»
Etelvina só gostava era de andar pela cidade A semear desacatos e a colher tempestades A meter-se c’os ricaços, a dizer assim: «Você que passa de carro Ferre aqui a ver se eu deixo Venha cá que eu já o agarro Dou-lhe um pontapé no queixo.»
"Eu durmo sozinha à noite Vou dormir à beira rio à noite, à noite Acocorada com o rio à noite, à noite"
Etelvina já cansada de viver sem ninguém A não ser de vez em quando amores de vai e vem Pôs um anúncio no jornal que dizia assim: «Mulher desembaraçada Quer viver com alma irmã De quem não seja criada De quem não seja mamã.»
Etelvina já sabia que não ia encontrar Nem um príncipe encantado nem um lobo do mar Só alguém com quem pudesse dizer assim: «O amor já não é cego Abre os olhinhos à gente Faz lutar com mais apego A quem quer vida diferente.»
O seu homem encontrou-o à noite A dormir à beira rio, à noite, à noite Acocorado com frio à noite, à noite.
4 comentários:
Quem pastoreia por amor, não há cajado que lhe valha...
Sete anos de pastor Jacob servia
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!
Luís de Camões
A minha mãe enunciava muitas vezes estes versos! Já me tinha esquecido...
Como a sua referência, num outro comentário, ao Casimiro, personagem das palavras de Sérgio Godinho, de quem também não me recoradava; e havia também uma Etelvina...
(Isto hoje está a sair-me mais ao género «RTP Memória»)
Etelvina
Etelvina com seis meses já se tinha de pé
Foi deixada num cinema depois da matinée
Com um recado na lapela que dizia assim
«Quem tomar conta de mim,
quem tomar conta de mim
Saiba que fui vacinada,
Saiba que sou malcriada.»
Etelvina com dezasseis anos já conhecia
Todos os reformatórios da terra onde vivia
Entregaram-na a uma velha que ralhava assim
«Ai menina sem juízo
nem mereces um sorriso
Vais acabar num bueiro
sem futuro nem dinheiro.»
"Eu durmo sozinha à noite
Vou dormir à beira rio à noite, à noite
Acocorada com o rio à noite, à noite"
Etelvina era da rua como outros são do campo
Sua cama era um caixote sem paredes nem tampo
Sua janela uma ponte que dizia assim:
«Dentro das minhas cidades
já não sei quem é ladrão
Se um que anda fora de grades
se outro que está na prisão.»
Etelvina só gostava era de andar pela cidade
A semear desacatos e a colher tempestades
A meter-se c’os ricaços, a dizer assim:
«Você que passa de carro
Ferre aqui a ver se eu deixo
Venha cá que eu já o agarro
Dou-lhe um pontapé no queixo.»
"Eu durmo sozinha à noite
Vou dormir à beira rio à noite, à noite
Acocorada com o rio à noite, à noite"
Etelvina já cansada de viver sem ninguém
A não ser de vez em quando amores de vai e vem
Pôs um anúncio no jornal que dizia assim:
«Mulher desembaraçada
Quer viver com alma irmã
De quem não seja criada
De quem não seja mamã.»
Etelvina já sabia que não ia encontrar
Nem um príncipe encantado nem um lobo do mar
Só alguém com quem pudesse dizer assim:
«O amor já não é cego
Abre os olhinhos à gente
Faz lutar com mais apego
A quem quer vida diferente.»
O seu homem encontrou-o à noite
A dormir à beira rio, à noite, à noite
Acocorado com frio à noite, à noite.
Sérgio Godinho
Era esta mesmo!
Obrigada!
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