Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
A História
"Para que serve a História senão para ajudar os contemporâneos a manter a confiança no futuro e a armarem-se melhor para enfrentar as dificuldades com que quotidianamente se deparam?"
Georges Duby, Ano 1000, Ano 2000: No Rasto dos Nossos Medos
Noite medonha, aquela! O mar tanto engolia a caravela, Como a exibia à tona, desmaiada! No abismo do céu, nem uma estrela! E a cruz de Cristo, a agonizar na vela, Suava sangue sem poder mais nada!
A fúria cega dum tufão raivoso Vinha das trevas desse Tenebroso E varria a quimera do convés... O mastro grande que Leiria deu Era um homem de pinho, mas caiu Quando um raio o abriu de lés a lés...
Novo guarda dos rumos da Nação, O piloto guiava à perdição Como um pai os destinos do seu lar... Até que o lar inteiro se desfez. Até que ao pai chegou também a vez De fazer uma prece e descansar...
O gajeiro sem gávea, dessa altura Que a alma atinge ao rés da sepultura, Olhou ainda a bruma em desafio... Mas a Sereia Negra que cantava No coração do mar, tanto chamava, Que ele deu-lhe aquele olhar cansado e frio.
O naufrágio alargou-se ao mar inteiro. E o corpo morto de um herói, primeiro Cruzado da unidade deste mundo, No dorso frio duma onda irada, Mandou aos mortos, com a mão na espada, Boiar o sonho, que não fosse ao fundo.
1 comentário:
Com uma história feita de naufrágios, como poderemos salvar-nos todos?
Tormenta
Noite medonha, aquela!
O mar tanto engolia a caravela,
Como a exibia à tona, desmaiada!
No abismo do céu, nem uma estrela!
E a cruz de Cristo, a agonizar na vela,
Suava sangue sem poder mais nada!
A fúria cega dum tufão raivoso
Vinha das trevas desse Tenebroso
E varria a quimera do convés...
O mastro grande que Leiria deu
Era um homem de pinho, mas caiu
Quando um raio o abriu de lés a lés...
Novo guarda dos rumos da Nação,
O piloto guiava à perdição
Como um pai os destinos do seu lar...
Até que o lar inteiro se desfez.
Até que ao pai chegou também a vez
De fazer uma prece e descansar...
O gajeiro sem gávea, dessa altura
Que a alma atinge ao rés da sepultura,
Olhou ainda a bruma em desafio...
Mas a Sereia Negra que cantava
No coração do mar, tanto chamava,
Que ele deu-lhe aquele olhar cansado e frio.
O naufrágio alargou-se ao mar inteiro.
E o corpo morto de um herói, primeiro
Cruzado da unidade deste mundo,
No dorso frio duma onda irada,
Mandou aos mortos, com a mão na espada,
Boiar o sonho, que não fosse ao fundo.
Miguel Torga
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