"Era uma vez
Uma fábula famosa,
Alimentícia
E moralizadora,
Que, em verso e prosa,
Toda a gente
Inteligente,
Prudente
E sabedora
Repetia
Aos filhos,
Aos netos
E aos bisnetos.
À base de uns insectos,
De que não vale a pena fixar o nome,
A fábula garantia
Que quem cantava
Morria de fome.
E, realmente...
Simplesmente,
Enquanto a fábula contava,
Um demónio secreto segredava
Ao ouvido secreto
De cada criatura
Que quem não cantava
Morria de fartura."
Miguel Torga, Fábula da fábula
1 comentário:
Torga, Homem e Poeta, ser humano excepcional, foi obrigado a ser formiga toda a vida, para manter a verticalidade. Mas "cantava" como um deus...
O poeta e a cigarra
O mundo sabe
que, para ser belo,
necessita ser escrito.
Carente,
o Universo,
nos pede confirmação
do nosso incondicional amor.
A diferença
entre o poeta e a cigarra
é apenas a sinceridade.
Mia Couto
Mais "clássica", não deixa de ter piada esta versão:
A cigarra e a formiga
Tendo a cigarra em cantigas
Passado todo o Verão
Achou-se em extrema penúria
Na tormentosa estação.
Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
foi valer-se da formiga
que morava perto dela.
Rogou-lhe que lhe emprestasse,
pois tinha riqueza e brio,
algum grão com que manter-se
’Té voltar o aceso estio.
«Amiga (diz a cigarra),
Prometo, à fé d’animal,
Pagar-vos antes d’Agosto
Os juros e o principal.»
A formiga nunca empresta,
Nunca dá, por isso ajunta.
«No verão, em que lidavas?»
À pedinte ela pergunta.
Responde a outra: «Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.»
«Ah! bravo! (torna a formiga)
— Cantavas? Pois dança agora.»
Bocage
Poeminha de Homenagem à Preguiça Universal
Que nada é impossível
não é verdade;
todo o mundo faz nada
com facilidade.
Millôr Fernandes
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