É curioso como nos contradizemos a nós mesmos nas nossas acções do quotidiano...
Hoje, ao ouvir a chuva que caía ritmada, depois do «caseiro pensamento» - "Bolas! Para que é que pus ontem a máquina a lavar? Não vou poder secar nada hoje... - pensei: "Credo! Será que eu vou conseguir sair com tanta chuva? Em casa é que eu não fico..."
De imediato, acusei-me de falta de coerência: "- Pois! Se fosse num dia de trabalho dirias: «Que chatice ter de ir trabalhar! Num dia como hoje o ideal era não sair de casa o dia todo!»"
Fiz uma careta a mim mesma e virei-me as costas, levantando-me da cama.
Alguma coisa se havia de arranjar: café, uma comprinha de supermercado, a pretexto de recolher a gatinha siamesa que lambia o pêlo cada vez mais molhado, toquei à porta da vizinha que ontem viu partir o companheiro de cerca de 50 anos e lá falámos um pouquinho, disfarçando as lágrimas o melhor que podíamos. A viuvez sempre me deixa assim: por me lembrar da minha mãe, da minha avó, de alguns amigos e amigas, da incompreensão da solidão que marca o fim de muitas vidas...da saudade-tristeza que enche os olhos de muitos dos nossos idosos, sem esperança.
Subir a escada, sacudir as gotas de chuva, despir a roupa molhada.
Enfiar-me naquelas calças de fato de treino antiquadas, com pêlo por dentro, que marcam o conforto até às pantufas, lembrando o tempo em que as casas não tinham ar condicionado, nem aquecimentos centrais...tínhamos frio no Inverno - essa era a principal marca da estação!
Olhar em volta: as gavetas a pedir arrumação, uma pilha de livros para decidir o destino, as publicações que chegaram pelo correio ainda envoltas em plástico...
"Está um dia bom para este tipo de coisas...- murmuro"
"Como se houvesse dias bons para estas chatices - resmungo - para as inutilidades que se dispensariam se tivéssemos o dom daquela feiticeira que realizava tudo só por torcer o nariz..."
Troço de mim mesma e das fantasias cinéfilas que me preenchem a vida.
E, sem dar por isso, refugio-me na imagem de um escritor sentado numa poltrona vitoriana, soltando baforadas de fumo do seu cachimbo, que coincidem com os laivos de inspiração que alinha no papel branco, sem linhas, numa letra miudinha e certa, impecável...prenúncio de um bom romance.
De repente sou um Shakespeare ou um Sherlock Holmes ou um Sh qualquer, prefixo de genialidade com sotaque britânico...
Por fim concluo que o trabalho não se fará sozinho e, com fantasias literárias ou não, estou condenada a passar o sábado a trabalhar, ao som da chuva, na minha cela decorada a gosto, sentindo o aconchego da roupa de Inverno e o cheiro da erva-doce a anunciar que as castanhas estão cozidas.
2 comentários:
um falso acróstico:
quem
se
escrevinha
assim
só
pode
ser
uma...
Shcrivaninha
("Oh!..." - disse a Escrivaninha agradada e ruborizada)
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