quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Marcas de um Dia Hospitalar

- o furinho da injecção na veia do braço esquerdo, mas essa vai passar depressa
- as imagens das caras com que olhávamos uns para os outros, na sala de espera, na esperança de que ficássemos de fora das estatísticas...se x em cada y pessoas têm doenças graves, será que podemos sentir pena do x porque estamos no y?...
Uma sala de espera - de longa espera - é sobretudo uma sala de pânico.
As boas vindas de quem está sentado são acompanhadas de um olhar prescrutador, interrogativo, apiedado:
Porque estará aqui? Qual a sua doença? Tem cara de quem está mal...Coitada...ainda é nova.
É também uma sala dada a considerações filosóficas...sobre o relativismo da vida: "Porque passamos tudo isto, por causa das doenças e, afinal...quem pode dizer que está bem? A semana passada duas amigas minhas, vinham do trabalho, despistaram-se...zás! esborracharam-se debaixo de um camião!"
Consternação geral. Acenos afirmativos. "A vida não vale nada"; "Estamos nas mãos de Deus..."
E eu tento ignorar. Abro uma revista feminina, cheia de promessas de juventude eterna - apaga as rugas, chupa a gordura, resolve os problemas de pernas pesadas, faz desaparecer as olheiras...
Mas chega uma idosa com dificuldades de locomoção. Discretamente levanto os olhos...e tenho pena. Lamento, lamento pelas dores daquela mulher que ainda estão longe para mim. E sinto-me com sorte por ser muito mais nova...Até encarar os olhos dela, com pena, e sentindo-se com sorte, porquie ela, ela é velha, mas quando era nova não estava numa sala de médico, de exames de diagnóstico. Não, quando ela era nova nem pensava em doenças, e eu, com idade para ser filha dela...
Não suporto a pena que povoa aquela sala. A pena que sustenta o medo, o medo de sermos nós o alvo da pena dos outros.
E lembro-me, com pena e saudade, de uma amiga que deveria ter feito anos hoje...

4 comentários:

josé luís disse...

é o retrato de um daqueles dias na vida de todos nós


(como fico sempre sem palavras quando leio textos belos e "enormes" como este... só espero que esteja tudo bem consigo)

Escrivaninha disse...

Muito obrigada! As suas palavras já vão contribuindo para a cura daquilo que espero seja só uma maleita. No entanto, fica sempre o receio de que as perguntas que vamos fazendo tenham uma resposta mais terrível que aquela que possamos aguentar...
E deu-se a coincidência de tudo isto acontecer no dia em que uma amiga, que lutou ingloriamente com uma doença durante vários anos, nunca mais vais assinalar o seu aniversário.
E depois foi tudo vertido em escrita, como sempre me aclara e acalma o espírito, terapia agora valorizada pela possibilidade de ser lida e apreciada...que a modéstia, infelizmente, não mora aqui e o mimo é um dos meus medicamentos favoritos.

Anónimo disse...

bj

Escrivaninha disse...

«Ah! Eu estive quase morta no deserto e um bj aqui tão perto...»