quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Astrum 2009

Abre amanhã, no Vaticano, a exposição sobre Galileu.
Há 400 anos atrás, os poderosos da época, que se consideravam guardiões dos segredos do conhecimento, condenaram Galileu Galilei, pela audácia de afirmar a sua descoberta do heliocentrismo.
A novidade e a lógica - a evidência - foram consideradas perigosas e, como tal, extirpadas.
Galileu na humildade da sua sabedoria, teve de ceder perante a Autoridade da época

"Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las - ,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal e qual
conforme suas eminências desejavam, e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal."
António Gedeão, Poema para Galileu

Em 1992 (!) a Igreja reconheceu o erro da condenação de Galileu e homenageia-o agora, com uma exposição que se anuncia como muito completa, para assinalar o Ano da Astronomia.

Galileu morreu sem ser aceite pelos «aceitadores de verdades» da época; sabendo que tinha razão e tendo de aceitar a estupidez instituída e modeladora do mundo, os que utilizam o Poder na sua auto-manutenção, disparando 'a matar' sobre todo e qualquer movimento do Conhecimento. Porque viviam no medo, no medo de que alguém tivesse conhecimento suficiente para perceber a insustentabilidade racional da sua Autoridade, no medo que os impedia de tentar Compreender, de poder ter o prazer de aprender, de se entregar ao diálogo profícuo, da troca de saberes...pois, se eles não tinham para a troca... se não consideravam ser possível viver na segurança de nunca estar certo, de saber que o Conhecimento é um processo interminável.

Gedeão descreve Galileu como um homem misericordioso perante a ignorância feita instituição. Será que era assim? Esperemos que sim, que ele tenha podido desfrutar das suas certezas, sem se angustiar com o atraso irremediável a que a civilização se vota a si mesma ao deixar-se chefiar por aqueles que lhe oferecem o conforto e segurança de uma Verdade Eterna.

"Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos.
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade."
António Gedeão, Poema para Galileu

Afinal, o que quereria Gedeão dizer? Que a busca do saber é uma missão tormentosa? Que os desígnios divinos explicam os diferentes caminhos na terra? Que o conhecimento traz consigo a intranquilidade?
E de quem será o Reino dos Céus, afinal?
Porque o da Terra, ao que vem constando, pertence dos pobres de espírito!

400 Anos depois! Astrum 2009 ou a impossibilidade de sufocar para sempre o Conhecimento.

4 comentários:

josé luís disse...

como existem dois tipos de explicação do mundo, a das religiões e a proposta pela ciência, e todas sempre conviveram entre os homens que as viveram - o conflito teria sido sempre inevitável...

quando galileu, um velho doente de quase 70 anos, foi julgado em 1633 pelo tribunal do santo ofício, não era já de todo o heliocentrismo que estava a ser avaliado (e condenado). a igreja, pelo menos uma parte dela, quis dar um exemplo - e não teve a clarividência necessária para perceber que esse mesmo julgamento iria marcá-la para sempre com o selo da intolerância e do obscurantismo... o processo de galileu, resumido por muita gente pela expressão "eppur, si muove" tornou-se 400 anos depois uma espécie de exemplo de negação da própria justiça.

curioso é hoje haver quase a certeza de que galileu nunca pronunciou aquela frase (que teria sido uma invenção romântica) e muita gente estudiosa afirmar que galileu, um cientista consagrado e admirado por toda a gente, inclusive pelo papa urbano viii, só foi a julgamento por se ter tornado num desafio a uma autoridade - e não por revelar uma abordagem nova dada pela ciência...

o processo galileu é o processo intentado por uma crença a uma certa ciência, por um dogma a um génio intelectual - mas é também o de um homem de ciência cuja arrogância e superioridade intelectual terá desesperado uma certa facção da igreja que - sabe-se hoje - até estaria eventualmente disposta a mostrar-se bem mais tolerante, antes de exasperar o papa, que se sabe hoje ter sido um seu amigo sincero.

galileu serviu também de bode expiatório, e de arma contra o crescimento do protestantismo - e foi essa dimensão das lutas internas da igreja e da resistência dos estados laicos que sempre terá escapado a galileu - um espírito genial que sabia ter razão mas que julgou que a verdade poderia ser mais forte que os dogmas...

estes e outros comentários foram-me transmitidos pelo meu muito querido e saudoso professor de química rómulo de carvalho, na altura já jubilado no liceu pedro nunes, mas que ainda gostava de dar certas aulas especiais para despertar nos seus alunos o interesse pela ciência...
é claro que na altura desconhecíamos que ele era antónio gedeão, eu só o soube um ou dois anos depois, logo depois de 74 - numa altura em que já se tinha retirado definitivamente.

por isso lhe quero agradecer este seu post - voltei a galileu, voltei ao liceu e, claro, a gedeão... já viu do que as palavras são capazes?

Anónimo disse...

Galileu, um homem que sofreu pela intolerância da Igrja Católica Apostólica Romana.
É pena que ainda hoje ainda não se possa ser livre no seu proprio pais.
Mas enquanto que hoje se calam a ver tal problema para o Homem, continua-se a pisar erros passados, ja encerrados para o mundo.
Em vez de se aprender com os erros de uns e tentar que não se voltem a concretizar, contudo é mais facil falarmos do passado, mas muito dificil ver os erros desta sociedade contemporanea.
Não nos limitemos a olhar mas tentarmos sim fazer parte desta grande comunidade, ainda tão semlhante à da idade media.

Ninguém.pt disse...

[…]
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores
deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões
de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileu Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer,
homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso, estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.


António Gedeão

Escrivaninha disse...

Ena! Tantas «partículas de felicidade» me trouxe este post!
Tão bom quando as palavras se tornam veículos de viagens a lugares maravilhosos da nossa memória! E que fantástico deve ser poder recordar "ao vivo" Rómulo de Carvalho, que tenho ouvido ser invocado como o protótipo do Professor.
Mas é verdade que nos é muito mais fácil julgar o passado enquanto ignoramos o presente. E que somos muito «medievais» sobretudo a restaurarmos prontamente o Medo, que afinal sempre foi Rei das nossas atmosferas colectivas.
Seria bom que nos servíssemos de analogias com tempos passados para compreender os «quadrados dos tempos» em que vivemos e que pudéssemos fazer «cair, cair, cair sempre» as Autoridades Barrocas e Bacocas que se sentem senhoras de pequenos mundos, exercendo o seu poder sem sentido; seria bom que não esperássemos 400 anos para nos congratularmos com a justiça feita.
Precisamos muito de herois, mas todos os que encontramos estão mortos, nas páginas dos livros de História.
Talvez aa palavras em Poesia nos ajudem a ter coragem, a não desistir, a enfrentar os dragões dos tempos modernos.
Obrigada pelos vossos comentários!