Ando aqui a «ruminar» um texto que ainda não está pronto, pensamentos revoltos e muitos, muitos sentimentos, que me fazem recorrentemente pensar na entrevista que vi (e aqui publiquei) com Lobo Antunes que falava «dos mortos que temos cá dentro».
Ontem foi um dia muito sentimental: um primo com que convivi muito na infância, estando aqui perto em «visita de estudo familiar», convidou-me para passar o dia com eles.
Foi um dia maravilhoso! Daqueles em que pensamos que a verdadeira amizade (nós éramos quase irmãos!) não regista afastamento. Ali estávamos nós, a conversar, a discutir ideias, como se não houvsse anos e anos de afastamento. Eu maravilhada pelo charme e educação dos gémeos de 7 anos, ele, falando comigo, discutindo ideias, como o fazíamos na infância e adolescência, como se soubéssmos o que pensávamos, como se não tivesse havido uma vida de crescimento autónomo.
Todo o dia me chamaram pelo diminuitivo de infância. E, curiosamente, não me soube mal. É que, normalmente, eu detesto o meu diminuitivo, sinto-me infantilizada, lutei muito pelo meu nome de adulta, mas ali, ontem...eu era mesmo a mesma menininnha de há muitos anos.
Tive receio que parecesse uma edição da RTPMemória ou um episódio do Conta-me como foi. Tenho um certo horror à nostalgia passadista que não nos impele para nada...mas, não...foi um dia muito, muito bom.
E o mais curioso que retenho de tudo isto é ter descoberto agora a forma como certas coisas da infância estão presentes na nossa vida de adultos e naquilo que queremos para o futuro dos nossos.
Diziam-me eles, perante o meu maravilhamento pelo interesse e atenção das crianças, que os levam a museus e passeios culturais desde muito novos, que lhes lêem e oferecem livros, pois consideram isso peças fundamentais na formação.
E diz-me o meu primo: "E isso devo-o muito à tua mãe; quando estava cá de férias ela sempre nos levava a visitar palácios, museus, exposições...é muito importante."
Senti uma comoção muito grande. Não sabia - e ela nunca soube - como tocou a vida daquele rapaz e como influenciou a vida dos filhos dele, que só remotamente ouvirão falar da prima Ana.
Fiquei a pensar como tudo isto é extraordinário.
O Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota - onde começámos ontem a jornada - tem uma apresentação dos acontecimentos históricos em peças de dominó que vão tombando umas sobre as outras - tudo o que aprendemos como a crise de 1383-85 - até conduzirem à Batalha de Aljubarrota. O filme (magnífico!) terminou com a abertura para os Descobrimentos que se seguiu a tudo isso...
A vida da minha mãe - que morreu numa tormentosa depressão e que considerava que nada tinha valido a pena na vida - tocou de uma forma tão significativa a vida do priminho lá da terra, do meu companheiro de férias, que ele hoje educa os filhos com uma componente que aprendeu com ela.
Talvez a morte não exista mesmo. Talvez a nossa vida seja uma sucessão de pequenas influências, voluntárias e involuntárias, que nos asseguram a eternidade: diluída, difusa, dispersa... por mínimos detalhes... que não permitem que nenhuma vida seja em vão!
1 comentário:
Texto intimista-ternurento, Miss. Gostei.
Realmente assimilamos sempre coisas dos nossos mortos, sublimando aspectos que destacamos e assumindo o cumprimento de tarefas e rituais daqueles que partiram. Replicar a receita do arroz-doce da avó, receber como a avó, contar como a avó as histórias da avó, mimar os pequenos como a avó — assumimos até tiques, dizeres, rezas...
Usemos ou não as expressões "como dizia a avó", "como a avó fazia", nós temos a avó cá dentro e partilhamo-la com os afectos que eram dela também ou que se foram agregando à família.
E a avó certamente se sentiria muito bem homenageada por fazermos isso, como ficaria feliz por ver que a homenageamos fazendo o que ela mais desejava para nós: sendo felizes.
Miss, seja feliz, não esqueça as recomendações da mãe, explícitas ou implícitas nos afagos com que ela lhe adoçou a vida: "Filha, sê feliz!", "Filha, só quero que sejas feliz".
Não a desiluda...
Beijito.
Enviar um comentário