Tem sido muito falado o assunto das Novas Oportunidades. Ouvi dizer que entre facas e lágrimas a coisa tem sido falada na arruaça diária referida como campanha eleitoral.
Essa tenho evitado a todo o custo, se quero ainda ter energia para cumprir o meu dever no dia 5.
Mas, quanto às Novas Oportunidades, esta semana tive um contacto "por dentro".
Na quainta-feira após as aulas, voei por sobre os Km que me afastavam do Centro Novas Oportunidades onde uma das minhas irmãs ia apresentar/defender o seu trabalho e obter finalmente o seu diploma de 12ºano, repondo uma oportunidade que a vida lhe roubara há muitos anos.
Acompanhei a garra com que a minha irmã agarrou esta oportunidade. Todo o percurso me emocionou muito.
Eu, que tenho quase menos uma vintena de anos que ela, tive um percurso muito diferente: foi-me dada a possibilidade de estudar, como uma coisa natural. Ela, menina de outros tempos em que à função tradicional da mulher não mais era preciso que saber ler e escrever, começou cedo a trabalhar. Na idade em que eu não tinha um pingo de responsabilidade, já ela tratava da casa, de mim e se responsabilizava por projectos de trabalho com princípio, meio e fim.
"Eu não fugi da escola, a escola é que fugiu de mim", dizia ela, várias vezes, durante a empreitada que agora abraçou.
E fugiu mesmo: duas vezes.
Porque a garra da moça fê-la lutar pelo regresso à escola, já na casa dos 20's, numa escola para adultos, em que, depois do trabalho, ia aprender, valorizar-se, alimentar sonhos de outros voos.
E mais uma vez o destino a traiu. Com a morte do nosso pai e a família destroçada, qualquer projecto pessoal - para além de suprir as necessidades de reorganizar e aguentar uma família enlutada, com um negócio para gerir e crianças para criar, lutando diariamente com a estupidez de uma morte súbita, inesperada, incompreensível - pareceria uma futilidade.
E a vida foi seguindo. Com uma multiplicidade de experiências, que a vida é sempre rica para quem a sabe inquirir e ler.
Estabelecida na vida, mãe de filhos grandes e a uns anitos da reforma, resolveu agora, nas suas palavras, avaliar o que a vida lhe ensinou.
E abraçou este projecto com todo o seu ser: escreveu, recordou, reconstruiu, contextualizou, pesquisou, filosofou, abriu e fechou gavetas, sempre com um espírito positivo, que me maravilhou, me emocionou e me ensinou. Mais uma vez. E sempre.
Trabalhou muito, mesmo muito. Uma vida cheia, vertida para o papel e reflectida com a ajuda de bibliografia, pesquisa na internet, ilustração com imagens dos álbuns de família e fruto de buscas, que às vezes a levavam muito longe.
A equipa de professores corrigia, exigia, orientava, de facto.
O trabalho foi crescendo e está digno de ser publicado.
Eu queria muito, muito, estar na apresentação do trabalho da minha irmã.
E lá fui, prego a fundo, impulsionada pelo ritmo dos limpa-pára-brisas, que se apressavam a desimpedir a visão, ameaçada pela chuva abundante.
Cheguei a tempo e foi um momento de glória, como ela merecia!
Mas para além do trabalho dela assisti a mais dois e gostei muito de tudo o que vi. E agora tenho andado aqui a tentar defender as Novas Oportunidades em que deve, como em tudo, haver coisas boas e más.
E tenho andado a pensar mesmo neste conceito de «Novas Oportunidades», depois de ter assistido à apresentação de três percursos de vida muito diferentes mas com uma coisa em comum: a recusa de desistir, a procura de caminhos, mesmo que improváveis.
A minha irmã era a mais velha e a que apresentava um percurso mais variado, até em termos geográficos, pois inclui uma parte de vida fora da Europa. As outras duas tinham idades e percursos diferentes. E se a mais nova teve uma interrupção da escola por um motivo não tão inesperado assim (engravidou, constituiu família e regressa agora, ao fim de quase vinte anos, na procura também de um percurso profissional que pode beneficiar de mais qualificação), a outra tinha praticamente a minha idade e não tinha podido prosseguir estudos porque não havia como no lugar em que morava. Estudar para além do 9º ano implicaria deslocações que a família teria dificuldade em suportar e das quais também não percebia a necessidade...estudar, para quê?
Fiquei a pensar muito seriamente nas assimetrias do nosso país, nesta coisa das «oportunidades», dos percursos de vida tão diferentes, por circunstâncias que nos são alheias. Na mesma época aquela rapariga e eu nascemos em famílias e lugares diferentes e tivemos, por isso, percursos completamente diferentes.
Quedei-me a pensar nas diferenças dos nossos percursos de vida. Na garra de todas nós e nas condições que têm moldado as nossas vidas. Eu também me considero uma lutadora e uma pessoa com garra, mas o meu percurso tem sido linear. Tenho procurado melhorar sempre, mas sempre na mesma linha. Elas tiveram de abandonar vários percursos...
Fiquei a pensar se teria garra para recomeçar, para recuperar, tanto tempo e tantos desaires depois...Não sei...talvez tivesse...
Mas o que é certo, (procurando dar um remate a este post que se está a perder em divagações) é que aquelas três pessoas sabiam do que falavam, defenderam muito bem os seus trabalhos, a equipa de professres pareceu-me coesa e trabalhadora: fiquei com uma imagem muito boa das Novas Oportunidades e das pessoas que agarram verdadeiramente as oportunidades da vida.
E fiquei muito feliz por ter sido criada por uma pessoa assim, que sempre valorizou os meus esforços, que sempre me deu exemplos de luta e de tenacidade e de não quebrar com a vida: de aproveitar sempre as pedras para fazer degraus de uma escada.
Para esse tipo de pessoas, as oportunidades são mesmo oportunidades. Talvez as oportunidades dependam mais das condições internas que externas...como o provaram as três histórias de vida que tive o privilégio de conhecer esta semana. Talvez haja sempre oportunidades para quem se recusa a desistir!
2 comentários:
atento leitor,
abraço e
gosto
mário
em bruxelas
Olá Mário!
E que orgulho saber-te atento leitor; sentir-me uma escrivaninha internacional...
Abraço!
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