"Mas não esqueçamos que toda aquela burocracia que caiu sobre os professores, sufocando-os, impedindo-os de ensinar, foi pensada para ser aplicada - o que revela mesmo um certo delírio na concepção das tecnologias de biopoder. O processo de domesticação dos professores está em curso - e longe de ter terminado. (...)
Porquê tudo isto? Porque o interesse do Governo é, antes de mais, cumprir a racionalidade orçamental, levando dezenas de milhares de professores a abandonar a escola. Através, afinal, de um sistema educativo em que avaliar significa desnortear, desanimar, dominar, humilhar, desprezar os professores, os alunos e a educação. É o máximo de mais-valia de biopoder que o Governo quer extrair - com o risco, inevitável, de o sistema se voltar contra si mesmo."
José Gil, Em Busca da Identidade - o desnorte, pp. 54-55
4 comentários:
Miss, vai desculpar mas este fulano tornou-se um feroz maniqueísta desde que se assumiu politicamente.
E se há coisa que me desagrada é ver comentadores, ainda por cima ditos "filósofos" — que, como cientistas da curiosidade, da dúvida e da pesquisa permanente para as esclarecer têm que ser isentos —, dissertar não sobre os males de um sistema mas sobre os horrores de um governo, como se o próximo viesse a ser melhor e os anteriores tivessem deixado obra limpa.
Há quantos anos o sistema deveria ter sido reestruturado? Alguém o fez? Houve quem tentasse, mas nunca deixaram. O mais que fizeram foi calar os professores dando-lhes poderes aparentes para pacificar sindicatos que tinham um número muito grande de associados e, principalmente, que tinham ramificações dentro dos próprios partidos — via CGTP uns, via UGT ou TSD outros.
Vir agora um Gil esquecer tudo isto e, pior ainda!, escamotear que o próximo governo, se for do PSD, vai agradecer todo o trabalho sujo feito pelo PS mas não o vai reverter porque ainda são mais neo-liberais do que os socratistas — isso brada aos céus!
Se tiverem poder suficiente irão tentar esvaziar o ensino público — e a Miss sabe bem melhor do que eu como são tratados os professores na maioria das escolas privadas.
E quando a escola pública não constituir nenhuma alternativa de emprego para os professores, então ainda se agravarão as condições de trabalho das escolas privadas e ainda vou ouvir muitos professores lamentando terem perdido a escola pública.
Não é possível que o Gil não saiba isto melhor do que eu. Mas é possível que o não queira dizer por estar engajado na conquista do poder.
E também não defendo a passividade perante desaforos do poder — apenas acho perigoso aliarmo-nos a ladrões para fugirmos à polícia, porque acabaremos roubados.
Desculpe o desabafo, sim?
Beijito.
Ah Mestre! Não se zangue assim comigo!
Eu nem sou leitora do filósofo. Comprei este livro dele à espera de outra coisa que não encontrei. Não podia passar ao lado desta palavras, tão certeiras, no dia de ontem, em que estive toda a tarde a imprimir regulamentos (longos) na única impressora da escola que funciona e na qual tem de se colocar cada folha na sua vez de imprimir. Passei toda uma tarde debruçada sobre a impressora e a ser interrompida por outras pessoas que também necessitavam de imprimir coisas, mais breves, e que por isso iam passando enquanto eu e a impressora arrastávamos o nosso monótono trabalho.
As exigências que o Ministério faz neste momento às escolas - apesar de não precisarem de mais nada para serem ridículas e aviltantes - são executadas com estas condições maravilhosas.
Mas estas não aparecem nos indicadores do PISA! Aliás, não aparecem em lado nenhum, porque nós vamos fazendo, com perdas pessoais, mas, sobretudo, com perdas educativas para os alunos...porque, infelizmente, parece que o que eles aprendem de facto na escola é o que menos interessa.
O "desnorte" pareceu-me muito bem no fim de um dia como o de ontem e o de hoje, em que, realizei muitas tarefas, entre as quais, também, algumas horas de aulas, as únicas em que realmente me senti útil e realizada.
Beijito
Miss, eu não me zanguei consigo e mesmo relendo o que escrevi não vislumbro nada que lho possa indicar.
Até porque sabe bem que quando me zango espumo raiva até pelos ouvidos e grito de tal forma que a Miss ao abrir o blogue apanharia um susto de morte...
O que eu disse é apenas que o filósofo Gil não aponta os erros do sistema porque não o quer combater — aliás, nesta altura deve estar contentíssimo pelo rumo que as coisas estão a tomar na educação.
Ele combate este governo porque quer ter lá os amigos, ou tem esperanças para ele mesmo.
E estou certo de que os professores não fazem o seu melhor ao não distinguirem quem quer melhorar o sistema dos que o querem manter embora pareçam estar contra as tropelias do governo.
Porque dar força a inimigos é sempre uma má opção. E os que querem manter o sistema não serão certamente os amigos predilectos dos professores quando chegarem ao poder.
É possível e desejável, é um imperativo lutar contra as políticas erradas — venham de onde vier, mascarem-se de amigos ou desmascarem-se e revelem-se como inimigos. Tanto uns quanto outros são inimigos.
E aqui para nós que ninguém nos lê, já pensaram em alternativas para a falta de impressoras?
Quando estive nas associações de pais volta e meia alguns professores (os que não nos hostilizavam como intrusos na escola...) faziam-nos pedidos de material ou para intercedermos aqui ou ali por esta ou outra causa.
Recordo que conseguimos dinheiro para equipar a secretaria com computadores (uma modernice, na altura!), que arranjámos cimento armado e uma cofragem para se fazer a base de uma estátua modelada pelos alunos, conseguimos que a câmara acimentasse uns campos de jogos, caixotes do lixo (150 caixotes!), resmas de papel de fotocópia, visitas de estudo...
Não há por aí associação de pais? Ou não há ninguém empenhado na ligação com ela?
Beijito.
(Bandeira branca, logo não estou zangado!)
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