domingo, 18 de janeiro de 2009

Semblante

"A Conferência já ultrapassara a duração prevista e o orador já estava a repetir-se. O meu tempo de atenção tinha definitivamente terminado e procurei concentrar-me em qualquer coisa para não começar a bocejar.
Olhei em volta. Algumas caras conhecidas, muitas desconhecidas.
Concentrei-me particularmente num homem que estava sentado a algumas cadeiras de distância. Alto, deveria estar no meio dos 50, vestia de negro, o que contrastava com o cabelo grisalho, que estava meticulosamente esticado, como se procurasse contrariar a sua natureza que se notava encaracolada e rebelde. A boca era bem desenhada, mas tinha os lábios crispados, como se estivesse muito, muito contrariado...diria, irritado. As linhas do rosto magro deixavam notar que tinha os maxilares cerrados com força.
Impressionou-me a sua figura...não...as suas feições...não...o seu semblante, é isso, uma palavra que uso muito pouco, mas que, de repente, parecia ser a única adequada para descrever o que me impressionava no homem: bonito, sem dúvida, uma figura elegante, mas com um semblante tão austero, tão crispado que impressionava. Parecia que tinha sobre si o peso de decisões muito importantes. Daquelas de vida ou de morte.
Imaginei-o um juiz. Não. Demasiado vulgar. Ele tinha porte de um General ou de um Rei...de um Imperador. Estava já a imagina-lo de túnica branca, ou com um manto púrpura, um ceptro na mão...ou uma coroa de louros...não, o nariz era demasiado rectilíneo para um Imperador...
Ele deve ter notado o meu olhar, porque de súbito virou-se para mim e encarou-me. Tinha uns olhos muito, muito escuros e uma ruga cavada entre as sobrancelhas...
Desviei o olhar. Fingi rabiscar concentrada no meu caderno, mas sentia o olhar dele cravado em mim, como se estivesse zangado, como se quisesse saber porque é que eu o tinha estado a observar, a prescrutar tão intensamente.
Num movimento de defesa, puxei o cabelo para o rosto, para lhe ocultar o meu semblante, porque...sei lá, ele poderia até pensar em descrever-me num qualquer blogue. Senti um arrepio. Que horror! Tentei afastar o pensamento, mas, pelo sim pelo não, mantive o rosto escondido pelos cabelos e os olhos baixos. Nunca se sabe; ele há gente para tudo!..."

Sem comentários: