Primeiro foi a procura do suporte para a minha missiva. Olhei desconsolada para as grandes folhas de papel A4 do tabuleiro da impressora. Não, definitivamente não. E foi aí que me dei conta de há quanto tempo não escrevo uma carta. Não é um bilhete rápido e passageiro, nem os mails com que passei a comunicar com toda a gente. É uma carta mesmo; daquelas, escritas à mão, feitas da solidariedade do pensamento com o deslizar da ponta da esferográfica no papel, feitas de tanto cuidado que obrigam à sua repetição se houver erros. Uma carta sem 'delete', nem 'insert', uma carta escrita e pensada como um todo, como uma obra única e irrepetível que nos vai representar junto de outra pessoa.
Fui comprar papel de carta. Trouxe a última caixinha. Um envelope grande com 10 folhas de carta, com motivos femininos - uma secretária com rosas amarelas...
Sentei-me a escrever.
A solenidade era tanta que penso que até fiz um esforço para ter as costas mais direitas e desenhar bem a letra...como antigamente...quando tudo começava nos cadernos de duas linhas!
A prosa fluiu rápida que as saudades eram muitas e as novidades em cataduta.
Por fim as despedidas, a assinatura...o fecho do envelope e a viagem até à estação de correios.
Depois é o ficar à espera. Essa espera que se perdeu com o imediatismo das comunicações actuais.
A minha carta só vai chegar ao destino cerca de 15 dias depois de eu a ter enviado. Mas nesse dia eu vou estar lá, longe e perto da pessoa a quem escrevi...como antigamente.
Tudo isto - que me encheu o dia - me fez recordar um texto que li a propósito das cartas e que não resisto a reproduzir aqui em parte:
"(...)Passava-se tudo para o papel. As emoções, as indecisões, as notícias, as felicitações, os desejos, a paixão, a saudade...E, à medida que a tinta avançava na folha, imaginava-se, à distância, a outra pessoa a receber a carta e a ler o que tínhamos escrito.
Escrever tem um gosto próprio e único. Escrever é criar ligações com a folha que está à frente, é construir afinidade com os nossos pensamentos e intenções, e é, sobretudo, estender a nossa intimidade a quem escrevemos, a quem nos vai receber, a quem nós queremos chegar.
(...) Escrever é partir e chegar ao mesmo tempo."
(Ana Margarida Oliveira e Joaquim Cannas, Admirável Mundo, Texto Ed./RFM, 2004, p.5 )
Que saudades!
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