segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Valentim a favor da Leitura

Ontem fui a Lisboa e, dado o evidente tempo impróprio para passeios ao ar livre, alonguei-me pelas superfícies comerciais cobertas.
Os derradeiros saldos tinham sido abafados pelos milhares de corações melosos, que escorregavam em cor-de-rosa pelas muitas montras de domingo. Ursos de peluche, frases lamechas e setas cupídicas, coravam de vergonha perante a lascívia das montras de lingerie, infalivelmente vermelha, rendada, tórrida-quase-pornográfica, com que se assinalavam as compras impostas pelo «Dia dos Namorados».
Santo António foi definitivamente destronado pelo colega de carreira Valentim. Numa apoteótica e duvidosa subida de escalão por avaliação de desempenho, a lingerie vermelha e rendada, exibe-se perante o branco e pesado vestido da pureza e da entrega.
Entregas, sim senhor, mas ao domicílio, em vários domicílios, que isso da «mulher de um homem só», soa a slogan de publicidade desprovida de sentido por falta de concorrência.
Já no Brasil se diz que Santo António não é o Santo do Amor, mas o dos desesperados. Por isso assinala o êxito com um inapelável acto contractual «até que a morte os separe».
Valentim permite jogos, entregas faseadas, parcelamento de prestações e, sobretudo, tem o apelativo cartaz da diversificação dos investimentos, embora não consiga eliminar os riscos para o investidor.
Valentim não, coitado, que o Santo está isento de tais culpas, mártir que foi do Império Romano, empenhado em unir pela lei de Deus os que se amavam e tendo sido condenado por isso, nos tempos pré-cristãos.
O arquinho e balão já poucos cativa, mas as 'anjas' (ou Cupidas?) que hoje entregavam os poemas de amor na minha escola, enfrentavam o frio com a intrepidez com que os namorados devem estar preparados para as intempéries das relações.
Temos de nos adaptar aos novos tempos e, numa descarada investida a favor dos 'hábitos de leitura', o Clube da Poesia ofereceu o serviço inovador de fornecer um catálogo de poemas e frases de amor de autores consagrados e assegurar a sua entrega, no dia certo, de forma anónima, se assim o entendesse o declarante. O êxito foi total! As inscrições excederam as expectativas e foram entregues mais de duas centenas de poemas a alunos, professores e funcionários, escolhidos em nome de Valentim. Foi assim um dia de afectos, de amizade e amor, de frases feitas, colhidas pelos alunos na biblioteca da escola, fruto de uma escolha (primeiro nossa, depois deles) que se fez - sem dúvida - de leitura, pensamento e ponderação de palavras.

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