Já por aqui tenho falado da «solitude», expressão que associo a um isolamento voluntário, a um prazer (por vezes uma necessidade), que tem de ser separada da pesada solidão, quase sempre pronunciada em tom tristonho, lamentada, arrastando o «ão» da coisa.
Estou a preparar-me para estar em duas reuniões intercalares. Creio que dizer «preparar-me» é um eufemismo, uma figura de estilo, um chavão de autocomiseração por ter de deixar todas as tarefas agradáveis e desagradáveis que poderia desenvolver sozinha, para cohabitar durante longas horas, com um grupo de pessoas bem intencionadas e sobretudo amestradas, que têm de cumprir trâmites burocráticos e sobretudo - e esta é a parte que me custa mais - que aparentemente acreditam que os alunos sujeitos a «planos de recuperação» melhoram por causa disso. Preenchemos então um calvário de cruzes, assinalando as dificuldades socio-afectivas e cognitivas de cada petiz, desdobrando-nos em estratégias motivadoras que visam levar o aluno a desfrutar da beleza que é a escola, quando, na maioria das vezes, o puto se está a portar de acordo com a idade dele e a aproveitar-se de uma sociedade que vive do facilitismo e da desculpabilização.
Mas lá estamos nós: durante três intensas semanas, prolongamos o dia de aulas em reuniões intercalares, às quais sujeitamos também dois representantes de Encarregados de Educação e doias alunos.
Dou graças a Deus por, no meu tempo de estudante, ter tido bons e maus professores, alguns que me brindaram com um interesse genuíno, mas que penso que pouco terão escarafunchado a minha vida e perdido longas horas para saber porque é que naquele dia eu teria sido brusca com determinado docente ou teria mesmo evidenciado atitudes agressivas para com um outro jovem borbulhento da minha idade.
Bem, estava eu então a remoer tudo isto, quando, numa atitude desesperada de manter as minhas funções intelectuais a um nível superior ao da literatura de formulário, desfolhei a Ler e encontrei uma magnífica crónica que - agora tenho a certeza - Luis Nunes Vicente escreveu para eu ler no dia de hoje:
"Os cidadãos que partilham a arte são olhados de soslaio, como se fossem honestos, anacoretas, inteligentes, eruditos, Herculanos, doidos. Há de tudo. (...)
A vontade de isolamento, no que me diz respeito, é um acto de sociabilidade. (...)
Ora, se é um prazer, não pode ser uma depressão. (...) como pode ser depressivo querer estar bem, fazer as coisas de que gostamos, viver ao nosso ritmo? O ruído de humanos não escolhidos para serem nossos parceiros de interacção deve ser dos piores suplícios que existem (...) isolado, habitante de uma ilha imaginada, não faço mal a ninguém."
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