Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
Mas ainda mais lindo era o pensamento que eu havia de ver a Raquel. Ela costumava passar por ali todos os dias, mas só aos domingos é que eu a podia ver, pois nos dias de semana estava àquela hora na repartição... Mas ia vê-la hoje e só pensar n'isso me alegrava. Todo o homem que ama sabe que não há nada superior ao amor... Mas custa esperar e já tinha decorrido uma hora... duas, três, quatro.... apre que já se ia fazendo tarde! Já era uma noite de abril e a modo que se tendia fazer n'um outro dia d'abril sem chegar a Raquel. Estava já disposto a me ir embora, mas o amor bradou-me — «espera»... e esperei.
Até que enfim! Oiço passos do outro lado da esquina... apresso-me... corro... volto a esquina e caio nos braços de... um cauteleiro!!! «Ah meu senhor! há só o mil quinhentos e cinquenta e quatro — e amanhã é que anda a ro-oda!»
Desapontamento! Desilusão! Mas para fazer alguma coisa comprei o vigésimo e segui para casa.
No dia seguinte saía-me a sorte grande! Ah! foi a Divina Providência! Sim foi a Providência! Sim foi a Providência que deu aquela intermitente à Raquel e me mandou o cauteleiro em seu lugar!! Ah! Deus é bom!
Enganei-me há pouco, meus amigos. Há uma coisa superior ao amor: — É... a massa!!!
Dr. Pancrácio (um dos muitos heterónimos de Fernando Pessoa)
2 comentários:
A zorra que não daria se acontecesse comigo...
DESAPONTAMENTO
Era uma linda tarde de abril, domingo.
Mas ainda mais lindo era o pensamento que eu havia de ver a Raquel. Ela costumava passar por ali todos os dias, mas só aos domingos é que eu a podia ver, pois nos dias de semana estava àquela hora na repartição... Mas ia vê-la hoje e só pensar n'isso me alegrava. Todo o homem que ama sabe que não há nada superior ao amor... Mas custa esperar e já tinha decorrido uma hora... duas, três, quatro.... apre que já se ia fazendo tarde! Já era uma noite de abril e a modo que se tendia fazer n'um outro dia d'abril sem chegar a Raquel. Estava já disposto a me ir embora, mas o amor bradou-me — «espera»... e esperei.
Até que enfim! Oiço passos do outro lado da esquina... apresso-me... corro... volto a esquina e caio nos braços de... um cauteleiro!!! «Ah meu senhor! há só o mil quinhentos e cinquenta e quatro — e amanhã é que anda a ro-oda!»
Desapontamento! Desilusão! Mas para fazer alguma coisa comprei o vigésimo e segui para casa.
No dia seguinte saía-me a sorte grande! Ah! foi a Divina Providência! Sim foi a Providência! Sim foi a Providência que deu aquela intermitente à Raquel e me mandou o cauteleiro em seu lugar!! Ah! Deus é bom!
Enganei-me há pouco, meus amigos. Há uma coisa superior ao amor: — É... a massa!!!
Dr. Pancrácio
(um dos muitos heterónimos de Fernando Pessoa)
Beijito, Miss.
Muito pouco romântico.
Mas talvez fosse porque há pouco era sábado...E naquele dia era domingo.
Beijito, Mestre. Bom domingo!
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