domingo, 13 de maio de 2012

Hoje o texto não é meu

É do Alexandre Borges, um dos autores do blogue Sinusite Crónica.
Domingo de berber café em casa, recordou-me este excelente texto, que aqui partilho com os passantes de um domingo caseiro, tenham ou não máquima de café:

"Casei com a Nexpresso já lá vão uns anos. Não façam perguntas íntimas. Posso apenas dizer que, de início, a ignorei. Era demasiado óbvia. Desejada por todos, popular, fashion – coisa, enfim, doutro campeonato. Depois, sucumbi. Ela foi lá para casa e os primeiros tempos foram de arrebatamento: não era só o sabor, a elegância, a perfeição; era sobretudo o dar muito menos trabalho do que todas as outras (põe pastilha, tira pastilha, passa o depósito por água e já está). Ao fim dum ano ou dois, veio a rotina. Sabia tudo ao mesmo. Comecei a cansar-me do aroma. No fundo, elas (as cápsulas) eram todas iguais. Por fim, como um homenzinho, pus a mão na consciência. Vi que também eu não tinha sempre agido bem (umas bicas por fora, aqui e ali… Enfim, um cafeinómano não é de pau). Comprei o pacote de descalcificação, li as instruções, conduzi o processo. Hoje, temos uma relação adulta. Passado o deslumbre, ficou a confiança. Estamos lá um para o outro.
Dirá o leitor: “mas é só café”. Não, meu amigo. Não é só café. Quem quer que tenha vivido o privilégio de receber em casa a comunicação epistolar da Nexpresso sabe do que falo. É literatura. E assume duas formas: os catálogos (epopeias de aventura) e as cartas (poesia lírica). No primeiro caso, estes júlios vernes da cafetaria deixam-nos de respiração suspensa com empolgantes relatos que nos apresentam ao trágico passado daquelas pobres cápsulas. Cada um daqueles inocentes cafezinhos foi plantado por eunucos nos melhores solos da Colômbia; seleccionado por druidas celtas e monges tibetanos; colhido por virgens no solstício de Verão, salvo de ursos em fúria e tribos índias em polvorosa, transportado através do mundo por anões ao pé coxinho e empacotado enquanto o coro do São Carlos entoava árias de Puccini. Tudo, asseguram-nos, para que desfrutemos da plenitude do seu sabor.
No segundo caso, a coberto da assinatura dum pretenso “Club Manager”, poetas de génio escrevem-nos comoventes epístolas que preparam o terreno para a experiência mística que nos aguarda.
Reza assim a última carta a propósito do Grand Cru Dulsão do Brasil: “O seu corpo mais equilibrado e a suavidade infinita da sua essência (“suavidade infinita da sua essência”, por trinta e poucos cêntimos a cápsula, hã?) revelar-se-ão (repare no tom profético do tempo verbal, remetendo-nos para uma dimensão astral) nas suas experiências de degustação” (fino equilíbrio entre ciência e erotismo). Já o Grand Cru Livanto, garantem, é “mais subtil do que aparenta”, o sonso – são os piores. Ambos, a par do Volluto, “suaves e encorpados com personalidades surpreendentes”. Universitárias meigas e massagistas peludas dos classificados, ponham-me os olhos nisto.
Por fim, remata o estilista escondido atrás do óbvio pseudínimo “Teresa T. Magalhães”, o êxtase lírico: “Sublime as suas experiências de degustação com os nossos capuccinos” (ler aqui “sublime” como eufemismo de “enfarte”, consequência lógica de beber uns capuccinos depois de três cafés de pancada). “A cremosidade do leite equilibra os aromas e suaviza a sua plenitude, transportando-o(a)” (sublinhe-se a lânguida ambiguidade sexual) “para” – atenção, caro leitor – “um turbilhão de indulgência”.
F*da-se. Um turbilhão de indulgência.
Um Delta faz isto, por acaso? Um Torrié?
Não brinquem comigo.
Quando quero um café, vou à rua. Nexpresso é Buda. E Samantha Fox. E Pessoa. Tudo junto. E não necessariamente por esta ordem."

2 comentários:

josé luís disse...

;))
exactamente...

Escrivaninha disse...

Fã da Nespresso? Eu, mais do Cloooney. :-)
Boa semana!