"Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
..............- como se fosse flor.
Catar os restos e ossos
da utopia
..............como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.
Catar a verdade contida
em cada concha da mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
.............- do dia cão.
Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.
Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.
Catar os cacos de Dionísio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.
Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
.............- como era antes.
Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.
É um quebra-cabeça? ..........Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção
.....Cacos de mim
.....Cacos do não
.....Cacos do sim
.....Cacos do antes
.....Cacos do fim.
Não é dentro
......nem fora
embora seja dentro e fora
.....no nunca e a toda hora
que violento
....o sentido nos deflora.
Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora."
Affonso Romano de Sant'Anna
2 comentários:
Cerâmica
Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso,
ela nos espia do aparador.
Carlos Drummond de Andrade
Beijito, Miss.
E quem não tem uma xícara dessas...
Beijito.
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