domingo, 8 de fevereiro de 2015

Em desacordo

Percebi que Recomeçar é o primeiro livro que leio escrito com o acordo ortográfico. Sem ser os da Escola, claro. E creio que é isso que me está a fazer confusão: para mim o acordo era uma coisa do Estado, uma perrice que eu, como funcionária pública, tenho que respeitar no meu serviço, mas seria algo que a Cultura recusava, que os Autores - os verdadeiros fazedores da Literatura - não iriam usar. Assim, no trabalho eu usaria o novo acordo ortográfico sabendo que na Literatura de Autor - fosse ela um romance ou uma crónica, um livro inteiro ou um comentário - me acolheria a grafia que as minhas professoras e a minha família me ensinaram e corrigiram.
Quando estou a ler Recomeçar parece que, de vez em quando, levo umas bofetadas quando vejo o recepção sem 'p', ou optimismo...É uma intromissão que não estou a aceitar nada bem.
Quando tentei compreender como pôde isto acontecer numa obra tão bem escrita percebi que a autora é espanhola - não lutará, por isso, por uma língua que não é sua, que talvez nem compreenda - para ela é apenas uma tradução, poderia ser em chinês...e que a editora do livro é a Porto, uma das mais interessadas no Acordo e que mais estará ganhando com isso: dicionários, manuais escolares, corretor ortográfico, auxiliares de estudo.
Terei que me habituar, claro. Mas dói; ainda dói.

3 comentários:

RH disse...

Existem muitas editoras que exigem que os autores apliquem ou autorizem a conversão para o Acordo Ortográfico. Caso contrário, não publicam. Não se admire, pois, de haver muitos autores acordizados, embora possam ser contra. O mesmo se aplica aos tradutores.

Elisabeth Henriques disse...

De qualquer modo, concordo com a autora do blog. "Os Autores - os verdadeiros fazedores da Literatura" - NUNCA o deveriam usar! Nunca deviam ceder à chantagem das editoras! Por isso, eu considero todos os que o fazem como pseudo-escritores. Por isso, recuso-me a ler e a comprar qualquer "escritor português" que não escreva e/ou não publique na sua língua. Muito triste tudo isto. Abaixo o AO90!

Escrivaninha disse...

Muito obrigada pelos vossos comentários. Por vezes, de facto, tendemos a «culpar» as pessoas erradas. Numa sociedade capitalista a cultura só tem a visibilidade que o mercado lhe dá e o mercado impõe as suas regras, que, neste caso, são as do Acordo.
A língua sempre evoluiu e as grafias são diferentes conforme os tempos. Mais tarde ou mais cedo teremos de ceder...
O que me anda a fazer muita confusão neste momento é: com este acesso globalizado aos textos em português de diferentes países, podemos considerar errado o que é «português do Brasil» quando escrito num trabalho em «português de Portugal»? Esta é uma questão que me preocupa porque lido muito com ela em contexto escolar. Quando vou consultar os dicionários online (até para ter a mesma informação que os meus alunos) aparece-me que a palavra em português tem a dupla grafia. O que é verdade...
Seria de pensar que nós, profissionais da educação, que temos de lidar quotidianamente com estas questões, tivéssemos informações concretas sobre elas.
À medida que o tempo vai avançando os alunos conhecem os textos da Internet e não sabem distinguir em que «português está escrito».
Esta questão tem-me angustiado bastante.