terça-feira, 19 de março de 2013

Pai (Memória)

Não sei que idade tinha...(menos de seis, certamente). Corria à volta do meu pai. Era de noite...
Dou-me agora conta de que já nada do que povoa esta memória existe. Ou quase nada. Ou o que existe está irreconhecível. Eu, por exemplo. O prédio da minha avó (que resiste ainda, entaipado, cadáver arrumado em pé). A rua já não é empedrada. Abre-se agora no chão uma enorme cratera de uma passagem subterrânea que engole diariamente milhares de pessoas que se servem disso como caminho para o comboio ou para atravessar para o outro lado da cidade.
Agora já não é tão perigoso atravessar a estação. Uma vez quase morri, distraída como ia sem ouvir o silvo do comboio. Foi um rapaz que me salvou (não foi bem como no anúncio do Axe...) e gritou comigo furioso, porque eu podia ter morrido, ali,à frente de toda aquela gente. Deve ter sido nessa altura que compreendi que temos uma responsabilidade social. Que não nos devemos esquecer dos outros em cada ocasião singular: Se quisesse morrer que o fizesse de uma forma que não traumatizasse mais ninguém.
Bem, mas já me afastei das memórias. Talvez para rechear um pouco mais o texto, que as memórias do meu pai são poucas.
A noite era calma, a rua pacata, adornada a esquina com o muro da "grande vivenda da D. Manuela", que não é mais para mim que o nome que sempre se colou àquela esquina. Onde às vezes havia um cego a pedir esmola.
E eu corria, corria. O pai tinha as mãos atrás das costas, talvez para me proteger, mas as minhas voltas eram cada vez mais próximas e acabei por me queimar no cigarro dele.
Por isso nunca me eaqueci que o meu pai fumava muito.

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