Confessava-me hoje a minha manicure que não achava nada lógico haver um Dia da Mulher. E que as manifestações todas que se têm feito cá por estas bandas - com nazarenas malucas a atirarem-se às tangas dos 'streepers' - eram uma vergonha.
Tive de concordar com ela no aspecto da vergonha que sentimos por uma celebração louca e depravada da condição feminina.
Mas não pude deixar de me recordar da reflexão que tive de fazer, há muitos anos - quando eu era jovem e tinha a certeza da igualdade como um direito adquirido - quando me convidaram para dar o meu depoimento no jornal do MDM sobre o Dia da Mulher, enquanto dirigente de uma associação cultural.
Com todas as minhas certezas da igualdade quase me sentia ofendida com a existência de uma Dia da Mulher: Porquê? Não era isso mais um acto de paternalismo de uma sociedade outrora machista?
Como sempre tentei perceber a forma de pensar dos outros e sobretudo não ferir os sentimentos de quem actua por convicções, dediquei-me, com muito cuidado, às palavras que teria de escrever. Sei que isso me ocupou o espírito durante uns tempos e que foi responsável por eu concluir, como depois escrevi, que a melhor forma de homenagear todas as mulheres que lutaram pela igualdade era a dúvida que se instalava (no meu espírito jovem e cheio de cerezas e direitos de quem cresceu no pós-25 de Abril) da razão de ser de um Dia da Mulher.
Foi assim que passei a explicar este dia aos meus alunos. Nos outros anos, quando não coincidem com a 3ª feira de Carnaval e com a ditosa pausa que tais entusiastas tem.
1 comentário:
Transfiguração
Tens agora
outro rosto, outra beleza:
Um rosto que é preciso imaginar,
E uma beleza mais furtiva ainda...
Assim te modelaram caprichosas
Mãos irreais que tornam irreal
O barro que nos foge da retina.
Barro que em ti passou de luz carnal
A bruma feminina...
Mas nesse novo encanto
Te conjuro
Que permaneças.
Distante e preservada na distância.
Olímpica recusa, disfarçada
De terrena promessa
Feita aos olhos tentados e descrentes.
Nenhum mito regressa....
Todas as deusas são mulheres ausentes...
Miguel Torga
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