quarta-feira, 16 de março de 2011

Chá

Às vezes faço um chá só para chamar a memória dos odores da minha infância.
Naquele tempo não havia Ambi Pur (pelo menos eu não me lembro de nada dessas coisas enfiadas nas tomadas, a não ser umas protecções para não metermos lá os dedinhos inadvertidamente) e as casas eram arejadas e perfumadas com frequência por métodos naturais, mais holísticos e mais baratos.
As casas da minha infância eram mais habitadas que as casas que vou conhecendo hoje. Nas casas da minha infância havia sempre uma mulher, viúva, que preenchia constantemente a casa com a lida doméstica, os suspiros por um passado mais feliz e os costumados resmungos por umas dores "da idade" ou "do tempo" (ou do hábito mesmo).
Muito frequentemente qualquer uma das casas da minha infância tinha cheiros quentes e frescos de ervas do campo ao lume. Na casa da avó Mila era sobretudo o cheiro da erva de S. Roberto, chá da sua preferência, que marcava amiúde os lanches da tarde ou as noites mais frias. Na casa onde nasci havia frequentemente múltiplas ervas juntas numa cafeteira, de onde saíam chás ricos e confusos que associavam o conforto da bebida quente aos vários efeitos curativos, preventivos ou de manutenção de cada um dos componentes, explicados com requintes de pormenor pela minha mãe. Depois havia também os defumos, sobretudo de eucalipto, com uma explicação mais complexa: se por um lado sabíamos que facilitava a purificação do ar, proporcionado um bom ambiente e evitando problemas respiratórios, por outro lado (este menos confessado) as crenças populares atribuíam-lhe o afastamento da inveja e outros males quejandos e...caramba, mal não fazia!
Hoje dei comigo a pensar em tudo isto, enquanto as cascas do limão se juntavam à erva de Ginko Biloba, na cafeteira de água fervente e o perfume quente e fresco da minha infância invadia as minhas memórias e os meus sentidos.
Foi com este conforto de alma que me aqueci por dentro com o chá, recordando tempos de janelas de madeira, em que os ventos conviviam com os nossos serões e as mãos abraçavam a caneca com carinho, aquecendo corpo e espírito, aspirando os aromas e saborendo a experiência de um chá, quente e fresco, reconfortante para todos os sentidos.

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