Antigamente as pessoas tinham esgotamentos.
Esgotavam-se. Como os bons livros ou os produtos de supermercado muito requisitados; que todos querem, que são indagados com ar ansioso e que recebem a resposta: «Não temos, está esgotado, só lá pra quinta-feira...». Mas há uma esperança. Os fornecedores repõem o produto, o livro reaparece, por vezes até, numa edição revista e aumentada. Aquilo que se esgota é porque tem os requisitos de agradar, presume-se que tenha qualidade.
As pessoas esgotavam-se, de trabalhar muito (eram bons trabalhadores), de serem muito requisitadas (eram pessoas desejáveis), de estudarem muito (eram pessoas com vontade de saber). Um esgotamento poderia, assim, ser até, um rótulo de qualidade e uma esperança de renovação, nova edição, tiragem especial...
Já havia a palavra depressão, mas pertencia ao domínio da metereologia e estava de certa forma associada ao anti-ciclone dos Açores. E tinha um carácter passageiro: aproxima-se uma depressão, blá, blá, blá; aquelas linhas sobre o mapa tinham a dinâmica do movimento e não da estagnação. Se bem que, por vezes, o tio Anthímio referia «estão a sofrer uma depressão». Aí, já tinha um ar mais doloroso, mas não - nunca! - definitivo.
As pessoas tinham esgotamentos e tomavam suplementos e tudo tinha ar de ser por momentos.
Agora as pessoas entram em depressão! A palavra faz eco e lembra o fundo de um poço, onde a luz está muito longe e fora do alcance.
Para as depressões tomam-se anti-depressivos, um nome que lembra armas químicas e tropas especializadas.
E a causa das depressões tem um nome estrangeiro e intraduzível: stress.
E as pessoas deixaram de andar inquietas ou enervadas e passaram a andar stressadas, que deve ter a ver com o verbo stressar, que não encaixa em nenhuma das minhas gramáticas.
Esgotaram-se os esgotamentos, vulgarizou-se o stress; citadino, buzinante, dramático e mais definitivo. Contra o qual se inventaram armas químicas e tácticas militares...
Nunca mais teremos paz no fundo do poço!
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