segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Rimei

Em casa da minha avó paterna - muito menos palavrosa que a minha mãe - imperavam as rimas. A minha avó não lia muito, mas (talvez para fixar as coisas, não sei) arranjava sempre uma rima perfeita para uma afirmação.
Lembro-me tão bem: "O sr. Magalhães (ao que a avó acrescentava) esfola gatos, mata cães"; "Senta-te perna, cá anda quem te governa" (impreterivelmente após arrumar a cozinha, quando se sentava no sofá), "Ai, ai, grande casa tem meu pai" (para justificar um suspiro) ou, os menos ortodoxos, "Vergonha é não ter um homem em quem se ponha" ou "Quem dá é tio, quem não dá puta que o pariu".
Enfim, ao longo do tempo, adaptado a cada situação quotidiana, havia uma rima para tudo.
Foi também uma forma de me ter habituado a amar as palavras: as palavras que rimam, as palavras que condizem, as palavras que preenchiam o vazio de uma frase sem interlocutor.
Por isso hoje teve muita piada quando eu pensava assim:
"Amanhã volto ao serviço" e, acto contínuo, ecoou no meu espírito uma "deixa" do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, (que quase todos os anos vejo representada quando acompanho os alunos de 9º ano): "Parece-me isso cortiço".
Não sei se a minha avó se ria sozinha das suas rimas, mas eu soltei uma gargalhada com gosto e repeti, desta vez em voz alta: "Amanhã volto ao serviço, parece-me isso cortiço"
E parece. Mas lá vou eu!

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