sábado, 16 de agosto de 2014

No regresso

Não sei quando é que comecei a gostar de viagens, mas foi certamente muito antes de as experimentar. Recordo os livros "Céu Aberto" e "Em Pleno Azul" que contavam as histórias de uma família em viagens. Havia um tio (solteiro e intelectual), o tio Jeremias, que ia explicando, por vezes de maneiras pouco ortodoxas, os lugares, as cidades, os monumentos, aos jovens da família. Foi lá que aprendi que a Itália é uma bota que está a dar um pontapé à Sicília. Depois lembro-me de uma série de televisão que se chamava "Dois Anos de Férias" e consistia no relato das aventuras de um grupo de jovens num navio que fica desgovernado ou qualquer coisa assim, que agora me aprece um pouco inverosímil, mas que me prendia ao écran. Para não falar de Marco Pólo, que durante muito tempo julguei ser uma personagem de ficção ou de Sandokhan. E havia, antes de tudo isso, o Vickie, a Heidi e o Marco, que falavam de paisagens distantes. E a Música no Coração, que começa e termina em paisagens soberbas.
Depois há a compreensão de que as viagens físicas, que implicam uma deslocação, são também (ou sobretudo?) viagens interiores, aberturas de espírito, momentos de questionamento e, sempre, de aprendizagem.
Comecei a viajar tarde, se não contarmos as viagens nas páginas dos livros e os sonhos de tapete voador.
As viagens sempre me fascinam. Cada viagem é um momento mágico, cheio de emoções, de reflexões, de sentimentos à flor da pele, de querer muito que os momentos sejam perfeitos, porque poderá ser a única vez ali, mas, mesmo que assim não seja, será sempre a primeira vez.
Estar nos locais onde as coisas aconteceram; tentar apreender o espírito dos locais; compreender o passado, a espessura daquele local, uma densidade histórica, emocional, um magnetismo que atrai ali muita gente. O que atrai as pessoas ao local? Qual o papel da História contada na mística dos locais? Que faço eu ali? Porque escolhi aquele local e não outro? Como faço eu parte desse local, como faz esse local parte de mim?
Agora faz. Mas, dantes, já fazia, porque era um desejo meu estar ali...
Venho de uma viagem planeada. Foi uma emoção muito grande poder estar em certos locais, conhecer espaços e histórias e espaços da História que há muito sentia que queria conhecer.
Envolvida na emoção da viagem dou por mim no regresso. E compreendo que o regresso também é uma parte importante da viagem.
O regresso poderia ser o motivo de uma viagem. Só partindo podemos regressar. E só regressando avaliamos as coisas de uma outra forma. As rotinas que nos oprimiam podem ser, de certa maneira, uma segurança no nosso dia a dia; a casa que nos ocupava tempo de mais pode ser uma surpresa acolhedora. Parar para olhar à volta. Parar para recomeçar, com outro ânimo, com outra perspetiva. Parar para poder andar. Partir para poder voltar. Sair para compreender o interior.
Não tinha percebido a importância da fruta e dos iogurtes na minha alimentação, no meu dia a dia. Fizeram-me falta: é porque são importantes. Foram as primeiras compras do dia.
O dia do regresso foi passado a namorar com a casa; a recuperar a energia que me faltava há duas semanas atrás, quando estava farta, quando queria partir (e nem sabia que queria voltar).
Para remate da noite abro o doce de goiaba que trouxe de outras viagens (que arrumara na despensa noutro regresso); não gosto do sabor dele sozinho, falta-lhe qualquer coisa...Lembro-me do costume aprendido nesta viagem, trazido agora mesmo neste regresso: tostadas com mantequilla e marmelada. Que bem ficam as tostas com a manteiga e o doce de goiaba por cima. Bato com os olhos na garrafa do néctar do Douro que estava intocada por falta de tempo para a apreciar condignamente. A mesa está composta.
As gatas estão no sofá, enroscadas, mas ouve-se o seu suave rom-rom, celebração do meu regresso.
Olho a mesa: celebração de viagens, de amizade, de regressos, de ser, ter e haver.
Ergo o copo: A todo o contexto - ao partir, ao voltar, ao crescer, ao ser possível.
Agora, tudo parece possível, quando há bem pouco tempo o cansaço alimentava as dúvidas.
Ergo o copo: aos regressos e aos recomeços! Ao ter para onde regressar e onde recomeçar!
Ao querer partir para querer regressar!  

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