domingo, 14 de abril de 2013

Intelectual

Hoje está um dia lindo, lindo.
Os escassos quilómetros que me separam do mar parecem-me sempre fáceis de transpor quando o sol brilha assim e até me esqueço do calvário que é circular lentamente entre os muitos passantes e encontrar um lugar de estacionamento.
A grande baía de S. Martinho do Porto oferecia-me o brilho que eu precisava. Eu e as centenas de pessoas que executaram um plano semelhante ao meu.
A persistente afonia que me tem atormentado determinou que eu me sentasse no interior do café, mas a montra oferecia-me a moldura que eu precisava para enquadrar a bifana que me serviu de almoço (num horário muito próprio das 16 h de domingo) e a leitura dos artigos principais do Jornal de Letras.
E lá fui lendo, mas de forma incompleta e apressada que o trabalho esperava em casa.
Li vários artigos sobre Clarice Lispector, o atlas do abandono escolar que está a ser elaborado na Universidade Nova e sobre a morte de Oscar Lopes.
E é sobre este - e sobre outros como este - que me apeteceu escrever. Sobre a falta de intelectuais, sobre a quase impossibilidade de gestação de intelectuais. Tento sempre explicar aos meus alunos o que são intelectuais (normalmente acerca do Humanismo do séc. XVI) e acabamos sempre um bocado órfãos por não haver atualmente termos de comparação. Eles falam-me nos comentadores de televisão. Eu tento não ser rude e dantes ainda comparava Erasmo com Ricardo Araújo Pereira, mas agora, que ele se vendeu ao marketing zombeteiro, só se conhecem dele os ridículos anúncios da MEO.
Sinto falta de ler, de comentar, de meditar, de trocar impressões...
A "vida moderna" (seja lá isso o que for) rouba-me o tempo de refletir e suponho que os poucos intelectuais que subsistam ou que tentem emergir também não terão público com tempo para desfrutar das suas reflexões.
No JL diz Maria Alzira Seixo sobre Óscar Lopes:
"Não procurava glórias, o que lhe importava era estudar e ouvir música. Estudava tudo, conhecia tudo. (...) 
Dói-me hoje muito a morte do Óscar, sinto-me órfã do estudo sério, lento, ponderado. E que faz uma órfã com 72 anos? Continuar a aprender com a herança, é óbvio. E ela aí está, enorme série de livros e trabalhos, cuja meditação pode ainda contribuir para salvar um país da tacanhez intelectual e ética que lhe traçou a perdição."

Fui investigar a origem da palavra "intelectual", numa busca rápida - como soe agora fazer-se - na Wikipédia e fiquei surpreendida com a jovem vida do conceito, mais uma vez uma criação da mentalidade iluminista e liberal em que vamos tentando sobreviver ou na qual vamos estranhando "o fim dos tempos". Destes tempos, claro, que outros virão e se estabelecerão até à decadência, em que se rebelarão, lamentarão e tentarão inverter o ritmo dos tempos em que muitos crêem erroneamente que a História se repete...

Assim, "a palavra foi usada pela primeira vez em França, nos finais do século XIX, durante o caso Dreyfus para descrever aqueles que se batiam ao lado de Dreyfus (chamados de dreyfusards): Émile ZolaOctave MirbeauAnatole France. O termo "intelectual" como substantivo em francês é atribuído a Georges Clemenceau em 1898, ele próprio um proeminente defensor de Dreyfus." 
"Um intelectual é uma pessoa que usa o seu "intelecto" para estudar, refletir ou especular acerca de ideias, de modo que este uso do seu intelecto possua uma relevância social e coletiva. A definição do intelectual é realizada, principalmente, por outros intelectuais e acadêmicos".
(...)
"Um dos principais espaços de atuação do intelectual é a Universidade.(...)Devido à ação reflexiva, o intelectual é portador de uma autoridade científica quando se expressa. (...) o intelectual estabelece relações com a sociedade através de seu status de intelectual." 
(...)
"Estas relações, inseridas num conjunto maior de relações de poder, colocam o intelectual em situação de comprometimento político: suas ideias não são desvinculadas da existência social e suas proposições seguem uma orientação determinada (como exemplo, a prática do censo e da criação de mapas). O intelectual pode então, através de seu intelecto, contribuir para determinado regime político ou determinada concepção de mundo."
"Observando como o saber amplo e generalista, as ideologias e as humanidades vêm sofrendo uma dêbacle frente às especialidades, ao saber técnico e prático, à indefinição política e às ciências aplicadas, muitos estudiosos defendem estar ocorrendo o chamado "fim dos intelectuais". Os argumentos usados para defender esse fim lembram muito os argumentos de Francis Fukuyama em seu livro "O fim da História".
"Há também resposta a essa dêbacle vinda de pessoas que não se alinham com Fukuyama. Essas lamuriam a existência do que chamam de fast-thinker (expressão de Pierre Bourdieu) ou intelectual-jornalista, ou seja, profissionais originados da universidade, com destaque para psicólogos, politicólogos e juristas, que se importam mais com o discurso que com a relevância do saber transmitido, revelando uma espécie de comprometimento com o senso comum ou até mesmo com opiniões predeterminadas pelos donos do meio de comunicação, visando agradar e fugindo ao engajamento que os definiria como autênticos intelectuais."
A seguir a «querida Wiki» (em português do Brasil, como se pode constatar por vários factos, sem 'c', claro) defende que o ciberespaço é um local prenhe de ideias e um espaço privilegiado para os debates intelectuais e eu...eu não sei...mas é por aqui também que deixo expressas as minhas inquietações.

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