sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

POEMA CIII

Bate a ave no muro do jardim celeste
...
e a alvorada tem um sabor de bosque e de regresso
que invade toda a terra. Quando os muros caem,
soltam-se os corações, exibem-se como laranjas cuja dor
se move entre a cor e a frescura. Feliz é o orgulho
dos escritores medíocres. Os outros batem-se contra os muros
procurando nova morte para o seu destino humano.
Meditam, recordam, acordam no mar.
A proximidade dos outros é uma conversa com a luz
que oferecem as palavras.
A voz perde-se ao longe, em lugares que pesam no peito,
junto de árvores discretamente floridas
como as oliveiras de Jerusalém
e cercada pela beleza juvenil da fala de outros tempos.
O pó das bibliotecas, dos arquivos, é antigo
como o canto dos pássaros,
e por detrás de um livro existe esforço,
existe formosura, e uma só verdade
que prolonga os beijos, chama rosas às rosas
e música à música. Mas o amor tece uma felicidade
menos robusta em regiões molhadas do cérebro,
onde se afundam naturezas impossíveis.
O anjo da memória tem nas mãos um livro
e a tarde interroga-o sobre a sua existência.
Definitivos na sua cegueira, os escritores medíocres
não encontram o mar,
e o campo que os cerca é tão invisível como o vento
ou a simples brisa que sopra das ideias.


Joaquim Pessoa

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