terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Mudança de Idade

" Para explicar
os excessos do meu irmão
a minha mãe dizia:
...
está na mudança de idade.
Na altura,
eu não tinha idade nenhuma
e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas
no rosto do meu irmão,
eu morria de inveja
enquanto me perguntava:
em que idade a idade muda?
Que vida,
escondida de mim, vivia ele?
Em que adiantada estação
o tempo lhe vinha comer à mão?
Na espera de recompensa,
eu à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques
mas vinham de longe,
de onde já não chega o luar.
Antes de dormirmos
a mãe vinha esticar os lençóis
que era um modo
de beijar o nosso sono.
Meu anjo, não durmas triste, pedia.
E eu não sabia
se era comigo que ela falava.
A tristeza, dizia,
é uma doença envergonhada.
Não aprendas a gostar dessa doença.
As suas palavras
soavam mais longe
que os tambores nocturnos.
O que invejas, falava a mãe, não é a idade.
É a vida
para além do sonho.
Idades mudaram-me,
calaram-se tambores,
na lua se anichou a materna voz.
E eu já nada reclamo.
Agora sei:
apenas o amor nos rouba o tempo.
E ainda hoje
estico os lençóis
antes de adormecer."


MIA COUTO  No livro "Tradutor de chuvas"

2 comentários:

Ninguém.pt disse...


ENVELHECER


É bom envelhecer!

Sentir cair o tempo,
magro fio de areia,
numa ampulheta inexistente!

Passam casais jovens
abraçados!…

As árvores
balançam novos ramos!…

E o fio de areia
a cair, a cair, a cair…


Saul Dias


A ampulheta é lenta a entender-nos: quando a pressionamos para andar depressa, faz-se surda; depois, quando nos obedece, já nós queremos que ele devagar…

Beijito, Miss.

Escrivaninha disse...

É, queremos sempre o que não temos ou o que não podemos ter...
Ou o tempo não é o certo, ou quando está certo não há tempo...
Se bem que o tempo "tem o tempo que o tempo tem".
E há quem passe o tempo a matar o tempo. E o tempo? Entreter-se-á a matar pessoas...sem dúvida. Será o seu passatempo!
Beijito, Mestre.