quinta-feira, 14 de junho de 2012

Anatomia Profissional (adaptável a diversas profissões)

ANATOMIA

"Como todos sabemos demasiado bem,
... às vezes o que importa não é a literatura
e em qualquer encontro de escritores
podemos aprender alguma coisa
de anatomia humana
pelo menos da parte em que se estuda
a forma e o tamanho dos umbigos:


Maiores ou mais pequenos, feios ou mais belos,
situam-se no centro do universo
- pequenos planetas que de súbito
se transformam em estrelas
e mostram uma tendência irresistível
para absorver o espaço à sua volta.


De formato redondo, podem ser
ligeiramente elípticos
e ostentam em casos muito raros
quase uma curvatura parabólica
que em certas ocasiões os abre ao mundo.

Uma investigação mais aturada
a essas crateras tão humanas
descobre que se ocultam no seu côncavo
cidades invisíveis, rostos de outro tempo,
segredos de futuros que não houve,
invejas e desejos e remorsos
que ninguém saberia confessar
e sobretudo o medo,
a solidão mais fria e esse orgulho
que serve de disfarce ao desespero.


Sempre que se lhe toca, é necessário
fazer as coisas com sentido clínico
e alguma subtileza: alguns retraem-se
até desaparecerem, refugiados
num pudor infantil, fora de moda,
mas com o tempo quase todos
aprendem a viciar-se nesse gesto
e crescem devagar, sob a pressão dos dedos,
com um prazer quase erótico,
numa erecção intensa, até chegarem
a ocupar então o corpo todo
e a devorar-lhes a alma.


Muitos desses umbigos, finalmente,
reflectem a luz em certas circunstâncias:
os mais clássicos preferem
a superfície líquida de um lago;
outros só se contentam com o mar;
mas para a grande maioria basta
um luminoso par de olhos humanos
disposto a conceder-lhes a pequena graça
de alguns minutos de atenção."
 
Fernando Pinto do Amaral

3 comentários:

Ninguém.pt disse...

Sim, eu sei, está nos antípodas do poema do Fernando Pinto do Amaral, mas o tema recordou-me isto:

DE UMBIGO A UMBIGUINHO

Muito antes de nascer
Na barriga da mamãe já pulsava sem querer
O meu pequenino coração,
Que é sempre o primeiro a ser formado
Nesta linda confusão.

Muito antes de nascer
Na barriga da mamãe já comia pra viver
Cheese salada, bala ou bacalhau.
Vinha tudo pronto e mastigado
No cordão umbilical.

Tanto carinho, quanta atenção.
Colo quentinho, ah! Que tempo bom!
De umbigo a umbiguinho um elo sem fim
Num cordãozinho da mamãe pra mim.

Muito antes de nascer
Na barriga da mamãe começava a conviver
Com as mais estranhas sensações:
Vontade de comer de madrugada
Marmelada ou camarões.

Muito antes de nascer
Na barriga da mamãe me virava pra escolher
A mais confortável posição.
São nove meses sem se fazer nada,
Entre água e escuridão.

Tanto carinho, quanta atenção.
Colo quentinho, ah! Que tempo bom!
De umbigo a umbiguinho um elo sem fim
Num cordãozinho da mamãe pra mim


Toquinho

http://youtu.be/alwR3qfyRVI


Beijito, Miss.

Ninguém.pt disse...

Mas, para compensar o devaneio, deixo aqui um poema mais "sério", mais dentro do espírito do seu post mas bem sintético, sem deixar de dizer muito:

UMBIGO

O teu querido umbiguinho,
Doce ninho do meu beijo
Capital do meu Desejo,
Em suas dobras misteriosas,
Ouço a voz da natureza
Num eco doce e profundo,
Não só o centro de um corpo,
Também o centro do mundo!


Mário Quintana

Outro beijito, Miss.

Escrivaninha disse...

Nunca pensei que o umbigo fosse uma temática tão prolixa...
De facto, as palavras permitem construções extraordinárias!

Beijito, Mestre.