sábado, 4 de fevereiro de 2012

O que valorizamos

"Dão-me os parabéns todos os anos no meu aniversário, do qual não tenho culpa nenhuma, mas esquecem-se de valorizar o que faço bem.
(...)
Há os que me perguntam repetidamente quando caso e se esqueceram de me dar os parabéns quando terminei o doutoramento.
Talvez o episódio mais chocante tenha sido aquela amiga a quem comuniquei em voz baixa (entre a discrição e a emoção) que tinha terminado o doutoramento e que suspirou de alívio e, após uma pequena pausa inquiriu de forma afirmativa: Agora já te podes casar?!
(...)
Na realidade nós devíamos ser cumprimentado por aquilo que fazemos, pelos caminhos que escolhemos trilhar, por aquilo em que somos diferentes, não pelo facto de termos aguentado mais um ano sem nos termos suicidado. Bem...por vezes, é notável, de facto...
Talvez sejamos todos aristocratas de coração, mesmo. Tal como a nobreza de sangue saudamos a família e os bens, as heranças que recebemos e que receberíamos de qualquer forma mesmo que nada fizéssemos e obliteramos o valor de cada um, aquilo que fez a burguesia revoltar-se no final do século XVIII, o direito a sermos diferentes pelas nossas qualidades intrínsecas e pelo nosso trabalho: o valor de cada indivíduo. Nascemos todos livres e iguais, mas não nascemos todos com as mesmas capacidades e as mesmas vontades - essas, na minha óptica, é que deviam ser valorizadas: esse é o valor de cada indivíduo. E que na nossa sociedade se esquece tão ostensivamente que se percebe que incomoda.
(...)
O que uns são representa para outros o perigo de mostrar o que outros não são.
(...)
É triste. Passada a revolta e a estupfacção, resta um grande lamento. É lamentável o que valorizamos em sociedade, no século XXI, tal como no séc. XVI e XVIII.
(...)
Chega a parecer, à primeira vista, que tudo tem sido em vão. Os esforços, as lutas, as revoluções, as constituições. Mas é só à primeira vista, claro. Presto aqui homenagem a todos os que lutaram pelo crescimento e pela liberdade, que nos permitem estar aqui hoje, a dizer estas coisas nesta entrevista.
(...)
O que mais temo? Ficar amarga. Afundar-me em amargura.
(...)
O que me faz feliz? Cativar os meus alunos para o estudo da História e para a difícil luta quotidiana de todos os anónimos que fazem avançar isto."

2 comentários:

Ninguém.pt disse...


No teu poema


No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida

No teu poema existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E, aberta, uma varanda para o mundo.

Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia
E o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria.

Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha.

No teu poema
Existe um canto, chão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano

Existe um rio
O canto em vozes juntas, vozes certas
Canção de uma só letra
E um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas

Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro
Existe tudo o mais que ainda escapa
E um verso em branco à espera de futuro.


José Luís Tinoco

http://youtu.be/elRYSLbO0Y8


«… e um verso em branco à espera de futuro.»

Tem razão em quase tudo o que transcreveu, Miss. Mas sabe melhor do que eu que a cultura é caldo que só se entorna completamente quando nos horizontalizamos de vez.

Beijito.

Escrivaninha disse...

Bom, então que o verso continue em branco por muito tempo. :-)

Beijito, Mestre.